Colaboradores - Valéria Calente

Mudanças nas regras para reconhecimento da cidadania italiana

31 de Março de 2025

Em vigor desde sexta-feira (28 de março de 2025), o decreto aprovado pelo Conselho de Ministros da Itália, conhecido como “pacote cidadania”, que restringe as condições para o reconhecimento de cidadania italiana causou revolta pelas duras restrições impostas aos descendentes. A partir de agora, é necessário ter pai ou avô nascido na Itália para ter direito à nacionalidade.

Anteriormente, não havia esse limite geracional: caso a pessoa interessada em obter essa documentação conseguisse comprovar um vínculo com alguém nascido na Itália após março de 1861 (quando o Reino da Itália foi criado), ele teria direito à cidadania.

A medida, que ainda precisa ser aprovada em até 60 dias pelo parlamento italiano, estando em vigor até a votação, “in fiducia”, e pode ser renovado ou levado à votação pelo plenário.

Ainda que esse decreto, seja convertido em lei, poderá ser, posteriormente, declarado inconstitucional pelas cortes superiores da Itália.

A nacionalidade italiana é regulada fundamentalmente pela lei número 91 de 5 de fevereiro de 1992, não sendo, no entanto o “ius sanguinis” e um princípio basilar e as pessoas que são descendentes de italianos não se tornam italianas quando o consulado ou o judiciário reconhecem a cidadania, mas quando nascem. Além disso, a não retroatividade da lei é um pilar da civilização jurídica do Estado de direito e isso tem de ser mantido.

As novas regras não mudam nada para quem já possui a cidadania italiana ou aqueles que já tem processos em andamento, depositados antes de 27 de março de 2025. Fiquem tranquilos.

As medidas aprovadas foram propostas pelo Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional com o objetivo é "valorizar o vínculo efetivo entre a Itália e o cidadão residente no exterior".

O vice-primeiro-ministro da Itália, Antonio Tajani, justificou a nova política como uma forma de conter o sobrecarregamento do Judiciário. “Não é porque seu antepassado nasceu em 1795 e você quer um passaporte para ir a Miami que se torna italiano”, afirmou em sua dura fala, durante coletiva de imprensa nesta sexta-feira. Para ele, a nova regra exige um vínculo real com a Itália — não apenas um benefício de mobilidade.

As mudanças serão adotadas em duas fases.

A primeira delas — que já entrou em vigor — prevê que os descendentes de italianos que nasceram no exterior serão considerados automaticamente cidadãos por apenas duas gerações.

Ou seja, a partir de agora, somente os indivíduos com pelo menos um dos pais ou um dos avós italianos terão direito à cidadania. "Os consulados se concentrarão na prestação de serviços àqueles que já são cidadãos, e não mais na 'criação' de novos cidadãos", pontua um comunicado publicado no site do Consulado Geral da Itália em São Paulo que está fora do ar desde que o decreto foi anunciado.

Na segunda fase do projeto, que já ganhou o sinal verde do governo italiano, serão implementadas medidas para que "cidadãos nascidos e residentes no exterior mantenham vínculos reais com a Itália ao longo do tempo". Essas pessoas precisarão "exercer os direitos e os deveres de cidadão pelo menos uma vez a cada 25 anos".

Ainda não está claro como isso será feito na prática ou a partir de quando essa segunda fase entra em vigor.

O governo da Itália também prometeu revisar "os procedimentos para o reconhecimento da cidadania".

A principal alteração aqui é que os interessados em obter documentos italianos não vão mais se dirigir aos consulados. Haverá um "escritório especial centralizado" no Ministério das Relações Exteriores do país, localizado em Roma.

A medida pode trazer impacto significativo na América do Sul, especialmente Brasil e Argentina, países que receberam grandes ondas de imigração italiana na virada dos séculos 19 e 20 e vergonhosamente a Italia desonra os imigrantes que deixaram o cenário para fugir da guerra e a fome, foram acolhidos no Brasil e Argentina, e agora seus descendentes veem o direito à nacionalidade de seus antepassados cerceado.

O movimento contra os reconhecimentos de cidadania vem crescendo e se fortalecendo, como eu já expliquei em várias entrevistas e lives.

O Judiciário corrigiu a injustiça com relação à linha materna, reconhecendo a igualdade e vencemos recentemente o fantasma da Grande Naturalização.

No entanto inúmeros desenhos de lei tramitando e o aumento das custas judiciais, em vigor desde 1 de janeiro de 2025 já sinalizavam que teríamos novas restrições.

A cidadania é um direito individual fundamental, que traz não só direitos, mas tambem deveres, como votar por exemplo, embora o voto na Italia não seja obrigatório.

Contudo, a comercialização desse direito fundamental, com lojas em shoppings anunciando black Friday; empresas de assessoria envolvidas em fraudes de documentos; famosos fazendo anúncios e indicando seus parceiros, o aumento vertiginoso de ações propostas causou impacto no judiciário e órgãos públicos na Italia, de tal forma, que o  vice-primeiro-ministro da Itália, Antonio Tajani afirmou que um Pais não pode parar em razão do interesse de pessoas que não possuem vinculo buscando a cidadania italiana.

O momento é de espera. Esperar os 60 dias.

Se esse quadro se confirmar, e como operadora do Direito, acredito que o Judiciário corrigirá esse equívoco.

Eu sempre digo que o processo de reconhecimento da cidadania italiana é um resgate da historia da familia, a busca de uma reconstrução de uma ponte ou retomada de vinculo que sempre existiu.

Fato é que italianos já somos, todos nós que temos um ascendente italiano, e isso ninguém pode tirar de nós.

 

“DECRETO-LEI 28 DE MARÇO DE 2025, Nº 36

Disposições urgentes em matéria de cidadania

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Vistos os artigos 77 e 87, quinto parágrafo, da Constituição;

Vista a Lei de 23 de agosto de 1988, nº 400, que dispõe sobre “Disciplina da atividade do Governo e organização da Presidência do Conselho de Ministros”, em particular o artigo 15;

Visto o Código Civil aprovado por Decreto Real de 25 de junho de 1865, nº 2358, e em especial os artigos de 4 a 15;

Vista a Lei de 13 de junho de 1912, nº 555, que dispõe “Sobre a cidadania italiana”;

Vista a Lei de 21 de abril de 1983, nº 123, com “Disposições em matéria de cidadania”;

Vista a Lei de 5 de fevereiro de 1992, nº 91, com “Novas normas sobre a cidadania”;

Visto o Decreto Legislativo de 1º de setembro de 2011, nº 150, com “Disposições complementares ao código de processo civil em matéria de redução e simplificação dos procedimentos civis de cognição, nos termos do artigo 54 da Lei de 18 de junho de 2009, nº 69”, e em particular o artigo 19-bis;

Considerando que as normas adotadas posteriormente à unificação nacional em matéria de cidadania têm sido até agora interpretadas no sentido de permitir que pessoas nascidas no exterior solicitem o reconhecimento da cidadania sem qualquer limite temporal ou geracional, nem obrigação de demonstrar a existência ou manutenção de vínculos efetivos com a República;

Considerando que esse arranjo normativo tem causado o crescimento contínuo e exponencial do número potencial de cidadãos italianos residentes fora do território nacional e que, também devido à posse de uma ou mais cidadanias diferentes da italiana, encontram-se predominantemente ligados a outros Estados por vínculos profundos de cultura, identidade e fidelidade;

Considerando que a eventual ausência de vínculos efetivos com a República por parte de um número crescente de cidadãos, que poderia atingir ou superar a população residente no território nacional, constitui um fator de risco sério e atual para a segurança nacional e, em virtude da adesão da Itália à União Europeia, também para os demais Estados-membros e para o Espaço Schengen;

 

Considerando que, em aplicação do princípio da proporcionalidade, é adequado prever a manutenção da cidadania italiana — e, consequentemente, da cidadania europeia — para as pessoas nascidas e residentes no exterior a quem já tenha sido validamente reconhecida tal condição;

Considerando ser oportuno aplicar a legislação anterior às ações judiciais e aos procedimentos administrativos iniciados antes da deliberação do Conselho de Ministros que aprovou este decreto;

Reconhecida, portanto, a extraordinária necessidade e urgência de introduzir limitações na transmissão automática da cidadania italiana a pessoas nascidas e residentes no exterior, condicionando-a a indícios claros da existência de vínculos efetivos com a República;

Reconhecida a extraordinária necessidade e urgência de realizar um equilíbrio entre os princípios dos artigos 1º e 3º da Constituição, aplicando essas limitações a todos os futuros reconhecimentos de cidadania italiana e evitando a irrazoabilidade intrínseca de reconhecimentos com base em critérios distintos, fundados num fator aleatório e não indicativo de vínculos efetivos com a República — como o local de nascimento dos requerentes — em vez do efetivo exercício de direitos ou cumprimento de deveres associados à condição de cidadão;

Reconhecida a extraordinária necessidade e urgência de introduzir medidas para evitar, enquanto se aguarda a aprovação de uma reforma orgânica das disposições sobre cidadania, um fluxo excepcional e incontrolado de pedidos de reconhecimento de cidadania, capaz de comprometer o funcionamento ordenado dos consulados no exterior, dos municípios e das autoridades judiciais;

Vista a deliberação do Conselho de Ministros, adotada na reunião de 28 de março de 2025;

Sob proposta do Presidente do Conselho de Ministros e dos Ministros das Relações Exteriores e Cooperação Internacional e do Interior, em conjunto com os Ministros da Justiça e da Economia e Finanças;

Promulga-se o seguinte decreto-lei:

Art. 1

Disposições urgentes em matéria de cidadania

1. À Lei de 5 de fevereiro de 1992, nº 91, após o artigo 3 é inserido o seguinte:

Art. 3-bis. —

1. Em derrogação aos artigos 1, 2, 3, 14 e 20 da presente lei; ao artigo 5 da Lei de 21 de abril de 1983, nº 123; aos artigos 1, 2, 7, 10, 12 e 19 da Lei de 13 de junho de 1912, nº 555; e aos artigos 4, 5, 7, 8 e 9 do Código Civil aprovado por Decreto Real de 25 de junho de 1865, nº 2358; é considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana aquele que: tenha nascido no exterior, mesmo antes da entrada em vigor deste artigo, e seja titular de outra cidadania, salvo se verificar uma das seguintes condições:

a) a condição de cidadão do interessado tenha sido reconhecida, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, com base em pedido acompanhado da documentação necessária, apresentado ao consulado ou à prefeitura competente até às 23h59, horário de Roma, da mesma data;

b) a condição de cidadão do interessado tenha sido determinada judicialmente, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, com base em ação judicial proposta até às 23h59, horário de Roma, da mesma data;

c) um dos pais ou adotante cidadão tenha nascido na Itália;

d) um dos pais ou adotante cidadão tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento ou da adoção do filho;

e) um ascendente em linha reta de primeiro grau dos pais ou dos adotantes cidadãos tenha nascido na Itália.

2. Ao artigo 19-bis do Decreto Legislativo de 1º de setembro de 2011, nº 150, são feitas as seguintes alterações:

a) o título passa a ser:

“Controvérsias em matéria de apatridas e cidadania italiana”;

b) após o parágrafo 2, são inseridos os seguintes:

2-bis. Salvo nos casos expressamente previstos em lei, nas controvérsias relativas à verificação da cidadania italiana, não são admitidos o juramento e a prova testemunhal.

2-ter. Nas controvérsias relativas à verificação da cidadania italiana, o requerente deve alegar e provar a inexistência das causas legais de não aquisição ou de perda da cidadania.

Art. 2

Entrada em vigor

1. Este decreto entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário Oficial da República Italiana e será apresentado ao Parlamento para conversão em lei.

 

Este decreto, munido do selo do Estado, será inserido na Coleção Oficial dos Atos Normativos da República Italiana. É obrigação de todos aqueles a quem compete de respeitá-lo e fazê-lo respeitar.

Dado em Roma, aos 28 de março de 2025

MATTARELLA

Meloni, Presidente do Conselho de Ministros

Tajani, Ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional

Piantedosi, Ministro do Interior

Nordio, Ministro da Justiça

Giorgetti, Ministro da Economia e Finanças

Visto, o Ministro da Justiça: Nordio

 

Art. 3-bis. —

1. Em derrogação aos artigos 1, 2, 3, 14 e 20 da presente lei; ao artigo 5 da Lei de 21 de abril de 1983, nº 123; aos artigos 1, 2, 7, 10, 12 e 19 da Lei de 13 de junho de 1912, nº 555; e aos artigos 4, 5, 7, 8 e 9 do Código Civil aprovado por Decreto Real de 25 de junho de 1865, nº 2358; é considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana aquele que: tenha nascido no exterior, mesmo antes da entrada em vigor deste artigo, e seja titular de outra cidadania, salvo se verificar uma das seguintes condições:

a) a condição de cidadão do interessado tenha sido reconhecida, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, com base em pedido acompanhado da documentação necessária, apresentado ao consulado ou à prefeitura competente até às 23h59, horário de Roma, da mesma data;

b) a condição de cidadão do interessado tenha sido determinada judicialmente, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, com base em ação judicial proposta até às 23h59, horário de Roma, da mesma data;

c) um dos pais ou adotante cidadão tenha nascido na Itália;

d) um dos pais ou adotante cidadão tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento ou da adoção do filho;

e) um ascendente em linha reta de primeiro grau dos pais ou dos adotantes cidadãos tenha nascido na Itália.

 

2. Ao artigo 19-bis do Decreto Legislativo de 1º de setembro de 2011, nº 150, são feitas as seguintes alterações:

a) o título passa a ser:

“Controvérsias em matéria de apatridia e cidadania italiana”;

b) após o parágrafo 2, são inseridos os seguintes:

2-bis. Salvo nos casos expressamente previstos em lei, nas controvérsias relativas à verificação da cidadania italiana, não são admitidos o juramento e a prova testemunhal.

2-ter. Nas controvérsias relativas à verificação da cidadania italiana, o requerente deve alegar e provar a inexistência das causas legais de não aquisição ou de perda da cidadania.

Art. 2

Entrada em vigor

1. Este decreto entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário Oficial da República Italiana e será apresentado ao Parlamento para conversão em lei.

Este decreto, munido do selo do Estado, será inserido na Coleção Oficial dos Atos Normativos da República Italiana. É obrigação de todos aqueles a quem compete de respeitá-lo e fazê-lo respeitar.

 

Dado em Roma, aos 28 de março de 2025

 

MATTARELLA

Meloni, Presidente do Conselho de Ministros

Tajani, Ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional

Piantedosi, Ministro do Interior

Nordio, Ministro da Justiça

Giorgetti, Ministro da Economia e Finanças

Visto, o Ministro da Justiça: Nordio

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