Cultura - Teatro

Não Vejo Moscou da Janela do Meu Quarto prorroga a temporada na SP Escola de Teatro

10 de Setembro de 2014

 

Após sucesso de público, a peça Não Vejo Moscou da Janela do Meu Quarto, de autoria e direção de Silvana Garcia, prorroga a temporada até 28 setembro na SP Escola de Teatro. Ao unir as histórias e criar seu novo texto, a autora e diretora dá um tratamento dramático à narrativa do escritor argentino Júlio Cortázar (1914-1984) e traz para um patamar narrativo o drama do russo Anton Tchekhov (1860-1904). O espetáculo foi montado em processo coletivo com os atores Maria Tuca Fanchin, Sol Faganello e Leonardo Devitto. As sessões são sempre sábados, às 21h30 e domingos, às 19h.

A obra - que tem iluminação de Beto Bruel (Prêmio Shell de Melhor Iluminador em 2001, 2005 e 2008) - resulta da junção do texto As Três Irmãs, de Anton Tchekhov, com o conto Casa Tomada, do argentino Júlio Cortázar. Na encenação, as três personagens do autor russo são colocadas na condição do casal do conto do argentino. O projeto foi viabilizado por meio do sistema de crowdfunding pelo site Catarse.

A peça flerta com o realismo fantástico - presente nos contos de Cortázar - e se passa no final dos anos 50, em algum lugar onde desembarcaram emigrantes russos. O desejo de três irmãos (confinados em uma casa - Irina, Macha e Andrei) de ir a Moscou é freado por algo que os imobiliza. “Há nessas personagens um conformismo que as faz se adaptarem a todos os infortúnios. Ainda assim, alimentam a esperança e acreditam que haverá algo que valha a pena. Em Cortázar, os dois irmãos abandonam a casa e não podemos imaginar o que seria deles, porque só existem enquanto estão ali dentro. Pensei muito nisso e conclui que também para eles não há saída”, diz a diretora. “O processo de isolamento acompanha a deterioração de suas relações – provocando um deslocamento da ação para um registro de irrealidade, humor e suspensão poética.”

Silvana trouxe o texto do autor russo, escrito em 1900, para perto de nós e da data que Cortázar escreveu Casa Tomada, 1946, e situou a peça no fim da década de 50, em meio ao período da Guerra Fria, com seu clima de paranóia e a disposição de considerar tudo que vem de fora como ameaça.

“Não acho que isso esteja tão distante de nossa atualidade. Mudaram os protagonistas, mas podemos ainda testemunhar na grande imprensa, diariamente, aqui e lá fora, indícios dessa mesma aversão ao que nos é estranho e diferente.” Alguns elementos - como a corrida espacial, os filmes de ficção científica, característicos da época - também são tematicamente incorporados na peça.

Não Vejo Moscou da Janela do Meu Quarto, assim como As Três Irmãs, está dividida em movimentos que coincidem com as estações do ano. A peça começa no Verão e termina no Inverno. Há um momento no qual as personagens “realizam” um pouco dessas fantasias, fabricando neve de mentirinha, brincando com postais de lugares onde nunca foram, fabulando sobre um futuro que muito provavelmente não testemunharão. Mesmo sem nunca terem ido a Moscou, há muitas referências diretas a essa “nostalgia”. Moscou é apenas uma ideia, um desejo de felicidade, um lugar sonhado onde tudo poderia ser diferente.

O contato de Silvana com os dois textos, base para o projeto, não é recente. Em 2006, ela fez uma adaptação do conto Casa Tomada para o André Carreira, diretor e professor de teatro em Florianópolis. “Percebi naquele momento que gostaria de dirigir o conto, que eu tinha imagens muito fortes dele na cena. Por outro lado, sempre gostei da delicadeza e da complexidade das relações das personagens de Tchekhov, em especial em As três Irmãs. Não foi preciso muito para perceber que havia uma conexão interessante entre os dois textos. E a mistura dos dois já nasceu no meu imaginário como encenação, como ocupação da cena, com uma estrutura já esboçada”, diz a diretora.

“Os textos têm um mesmo movimento; em ambos, as personagens estão constrangidas a um deslocamento que as obriga a abandonar o pouco que ainda têm. São forças, internas e externas, que as movem em direção a um lugar onde estarão condenadas a um cotidiano de confinamento. É também um lugar de alienação, de alheamento em relação ao mundo.”

Dramaturgicamente, a diretora combinou elementos dramáticos com outros que escapam dessa classificação e ficam em um terreno intermediário, porque também não são explicitamente narrativos. “Procurei dar um tratamento dramático à narrativa de Cortázar e trouxe para um patamar narrativo o drama tchekhoviano. É um lugar muito interessante, que namora com a performatividade.” O trabalho com os atores corresponde a essa concepção. Maria Tuca, Sol e Leonardo construíram figuras que são, de certa maneira, ambíguas, sobre as quais não temos certezas, mas impressões, porque às vezes elas nos escapam e vão para alguns lugares inesperados.

Apesar de contar com dois textos de apoio para a dramaturgia, o processo de trabalho teve uma base de improviso e muito da criação dos atores foi transformada em texto e integra a dramaturgia da peça. Trechos da obra do Tchekhov ainda aparecem na boca dos atores em cena, mas uma boa parte do texto foi criada em improvisações, e organizada dramaturgicamente pela diretora.

A iluminação de Beto Bruel guia o espetáculo, determina a passagem de tempo e o estado das personagens. A cenografia conta com um artista plástico/grafiteiro, Ciro Schu, que trouxe para a cena um elemento de desconstrução surrealista. Cada peça do cenário tem voz no espetáculo. Com um trabalho simples - usando materiais e objetos usados – mas extremamente sofisticado, o artista assina seu primeiro trabalho como cenógrafo. E Maria Tuca, além de atuar na peça, mostra mais uma faceta, cuidando dos figurinos e da direção de arte do espetáculo. Ela realiza um trabalho afinado com a cenografia e com o conceito original do projeto.

Formada em direção teatral e doutora em artes cênicas pela ECA/USP, Silvana Garcia integrou, durante quase duas décadas, um grupo de improvisação pelo movimento, com base em Rudolf Laban, pai da dança-teatro (1879-1958), sob orientação de Maria Duschenes, pioneira da dança moderna no Brasil e difusora do método Laban no País. De seu currículo também constam aulas de improvisação e diversos trabalhos como dramaturgista. Por algum tempo esteve mais próxima do cinema e, depois, voltou para o teatro, para os estudos de pós-graduação. Só recentemente aceitou dedicar-se à direção, quando criou e dirigiu o grupo lasnoias & cia., responsável pelos espetáculosLesão cerebral (2007) e Há um crocodilo dentro de mim (2009). “Gosto de dizer que, finalmente, me sinto madura para dirigir. Espero que possamos oferecer aos espectadores de Moscou... uma vivência poética, sensível e inteligente”, termina a diretora.

 

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