Da Ameaça ao Dano qualificado; uma análise permeando a “grave ameaça”
Um fato ocorrido nas imediações da passarela do samba “Nego Quirido”, em Florianópolis, chamou a atenção para o enredo que – infelizmente –, o Brasil ainda “dança” em descompasso: a violência contra as mulheres.
Thiago de Miranda Coutinho é Especialista em Inteligência Criminal, Coautor de 3 livros sobre Direito. | Foto: Divulgação |
De encontro às massivas campanhas midiáticas veiculadas neste carnaval – visando o respeito às mulheres e o repúdio e combate aos assédios, importunações e demais crimes –, um vídeo angustiante e assustador foi registrado no início da manhã do último domingo (19) e, rapidamente, ganhou as redes sociais e imprensa brasil afora.
Nas imagens, uma mulher que estava no interior de seu automóvel filmou um homem forçando a porta do veículo para, sabe-se lá o que, tentar fazer. Visivelmente alterado, o indivíduo quebra a maçaneta, o espelho retrovisor e passa – sob um olhar ameaçador –, a desferir vários chutes contra o carro daquela mulher. Quanto à motivação, o homem já identificado pela Polícia Civil terá de explicar à autoridade policial no depoimento marcado para esta quarta-feira (22/2).
Mas ao analisar os fatos pela ótica jurídica, pairam dúvidas sobre qual prática criminosa teria ocorrido no episódio em tela. Haveria requisitos para se amoldar tal conduta ao crime de Ameaça? Ou se estaria diante de um fato tipificado como “Dano qualificado”? Por sorte, obra do destino ou resistência daquela maçaneta, o desfecho não foi outro; muito pior!
Segundo o artigo 147, do Código Penal, “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”, gera uma reprimenda penal de “detenção, de um a seis meses, ou multa”.
Contudo, dada a formalidade do crime de Ameaça e sua instantaneidade, a consumação se dá com a plena ciência da vítima sobre tais circunstâncias ameaçadoras a partir da intimidação ou medo oriundos de uma promessa do mal injusto! Aqui cabe sopesar que essa “promessa” parece não ter ocorrido, pois o homem não aparece falando ou gesticulando algo neste sentido no referido vídeo.
Sendo assim, vislumbra-se com maior clareza o crime de “Dano” capitulado no artigo 163, do Código Penal, pela destruição, inutilização ou deterioração da coisa alheia, quer seja o carro da vítima.
Tem-se, ainda, a presença da qualificadora deste crime em razão dos fatos terem ocorrido por “motivos egoísticos” e com a “grave ameaça” prevista na doutrina como aquela empregada com a finalidade exclusiva de “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”; o carro da vítima.
Neste sentido, a pena de detenção passa a ser de “seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência”, conforme o parágrafo único do artigo 163, do mesmo Código Penal.
Por isso, pontua-se que não merece acolhimento neste aviltante episódio, o instituto do chamado “arrependimento posterior” – aquele que se busca a redução da pena entre um a dois terços –, pois o artigo 16 da Norma Penal expõe tal cabimento somente “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa”. Notadamente, como já exposto, não parece ter havido o crime de Ameaça! Porém, a “grave ameaça” pelas atitudes praticadas, sim!
Neste espectro, para o emprego da qualificadora, a jurisprudência dominante exige que a violência ou “grave ameaça” sejam praticadas de modo a facilitar o dano, inibindo e amedrontando a vítima vindo a coagi-la a não esboçar reações; o que parece nítido no caso aqui abordado.
Outro ponto nevrálgico do presente tema diz respeito à “grave ameaça” concretizada pela violência dos atos de dano. Ou seja, se o criminoso pode destruir e danificar a maçaneta, a porta e o retrovisor do carro com tamanha fúria evidenciada nas imagens, ele também poderia ter cometido algo muito mais grave se aquela porta abrisse!
Evidente que as conjecturas não se punem, mas surgem da penitência da reflexão! Reflexão enebriada e embriagada de uma tão ansiada quarta-feira de cinzas de perdão. Perdão às mulheres e ao Carnaval; aquele em que o Bem e o Mal existem só na magia da ficção. Pois não! Pois, não!
Thiago de Miranda Coutinho é Especialista em Inteligência Criminal, Coautor de 3 livros sobre Direito, Articulista nos principais veículos jurídicos do país e integrante do Corpo Docente da Acadepol (PCSC). Graduado em Jornalismo e Direito, atualmente é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina.
Instagram: @miranda.coutinho_