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Tabus que persistem: com o que os homens ainda não se dão?

3 de Novembro de 2022

Em pleno ano de 2022 e você aí com preconceito?”. Com essa simples frase, um roteiro bem humorado e um corte da música Oceans (Where Feets May Fail) do grupo Hillsong United, que o influenciador Toguro ganhou a internet este ano.

Com participações de personagens da cultura popular brasileira e do imaginário do povo de diversas áreas diferentes, desde jogadores de futebol até outros influenciadores, os números das esquetes do influencer decolaram em pouco tempo.

Os temas e os personagens variam de vídeo para vídeo, porém a ideia, assim como o apelo, é o mesmo: Toguro sendo consciente.

Toguro é o ideal do homem clássico, forte, frequentador assíduo de academia, ostentando carrões e sempre cercado de pessoas atraentes e malhadas - características que o imaginário popular levaria, quem o visse em primeira instância, a pensar no estereótipo popularmente chamado de “hetero top”.

O sucesso de Toguro é fonte, exatamente, dessa contradição e da “surpresa” causada pela sua atitude, embora todos já esperem que ele vá aparecer para dar uma lição de moral, de forma divertida, quando se depara com um vídeo aleatório de alguma pessoa destilando preconceito com outra na internet.

O que desperta o carinho dos seguidores é que Toguro construiu uma persona aparentemente superficial e desvairada com valores sociais, mas que, na realidade, é empática, consciente e preocupada com seus iguais e, principalmente, com seus diferentes.

Esse é exatamente o ideal do homem moderno, que abraça preceitos que o caracterizam como ser humano para a sociedade, mas se afastando de problemáticas atreladas a esse estereótipo masculino clássico.

O homem de saia, o homem que cozinha, o homem que pinta as unhas e faz os afazeres domésticos, que não tem medo de expressar seus sentimentos, está cada dia mais em conflito com as estruturas arquetípicas em que a própria masculinidade fora moldada, e tem, nos últimos rounds somado mais pontos.

O Homem em Pleno Ano de 2022

A possibilidade que surgiu com os movimentos sociais de livre expressão, sejam corporais, artísticos, visuais ou até mesmo sentimentais, começou a transbordar para o cidadão menos engajado, e, nisso, o padrão de convívio e as relações começaram a se estruturar de formas menos clássicas e mais saudáveis.

Todavia, a masculinidade, embora esteja se tornando menos tóxica para os seus arredores, está em um processo bem claro de autossabotagem sistêmica.

Segundo dados do IBGE, no ano de 2017 a porcentagem de pessoas do sexo masculino a realizar afazeres domesticos era maior entre homens mais jovens. 80,9% dos entrevistados de 25 a 49 anos declararam realizar serviços domésticos, enquanto apenas 79,3% dos entrevistados com mais de 50 anos disseram colocar a mão na massa dentro de casa.

Fantasmas do Homem Clássico

Embora tais dados sejam animadores em relação ao futuro e denotem uma repaginada na ideia do homem viril, que sempre buscava se encaixar nos arquétipos Junguianos como o do Herói, Cuidador e Amante, mesmo sem entender o que tais atribuições psicossociais realmente demandavam, ainda há tabus que negligenciam a saúde, tanto física quanto mental, dos homens - principalmente dos heterossexuais e cisgêneros.

A aversão pelo consultório médico, clássica do arquétipo do herói que não precisa de assistência (pois é forte demais para adoecer), continua ainda assombrando as estatísticas.

As especialidades mais negligenciadas pelo público masculino são o gastro e proctologista, o que gera dados assustadores como a estimativa levantada pelo INCA, de que em cada ano do triênio de 2020/2022 tenham sido (e sejam) diagnosticados 65.840 casos de câncer de próstata, no Brasil.

Ainda nessa alçada, há de se reconhecer que há um segmento da área da saúde ainda mais distante da realidade dos homens que as já citadas. A área da saúde mental é o verdadeiro tabu do homem brasileiro.

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, no ano de 2018, apenas 69% dos homens passaram por assistência psicológica, enquanto o percentual entre o público feminino entrevistado beirou os 85%.

A ideia do homem ainda ser aquele que resolve tudo e não precisa de ajuda, persiste até em pontos em que muitos deles, declaradamente, sentem algum tipo de insegurança, como na aparência, em que buscam seus próprios meios de resolvê-las discretamente.

A calvice, que é uma das maiores questões do sexo masculino (embora seja cada vez menos um tabu) ainda é um motivo de vergonha.

Mesmo sendo estimado que existam 2 bilhões de pessoas calvas no mundo, e que destes, 90% sejam homens, não há busca para aceitação de tal característica, mas sim mais e mais métodos milagrosos para resolver queda de cabelo. Obviamente, tais soluções passam, em sua maioria, distantes da indicação de um endocrinologista ou de um dermatologista.

Dos Males o Menor

Apesar da lentidão do processo, há de se reconhecer o esforço masculino em se encaixar nessa nova perspectiva de masculinidade e isso gera, ainda que aos poucos, um ambiente saudável para as relações, não só amorosas, mas dentro da convivência familiar e social. Além disso, ainda movimenta nichos inesperados da economia.

Com os homens se afeiçoando mais com os afazeres domésticos e pelo zelo de seu espaço pessoal, sites sobre artigos de casa como o itensdecasa.com, passaram a receber um volume maior de consumidores masculinos buscando informações sobre qual é o melhor produto de limpeza ou a melhor marca de forno elétrico, entre outras peculiaridades envolvidas no bem estar e cuidado doméstico.

A realidade é que, em pleno ano de 2022 é muito válido, importante e necessário saber varrer um chão ou cozinhar um arroz, mas é igualmente importante saber identificar o momento de pedir ajuda, e a comunidade masculina ainda pode se organizar para fazer isso sem a ajuda feminina, afinal, mulheres não são (ou não deveriam ser) consideradas especialistas majoritárias do cuidado do lar.

Redação: Bruna Bozano

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