Isabella Kubera faz uma entrevista exclusiva com Renan Araújo Saraiva, autor do livro: " As fake news como crime no Brasil pós-pandemia: introdução à verdade sobre as notícias fraudulentas a partir da Psicologia das Massas"
Capa do livro "As fake news como crime no Brasil pós-pandemia" | Foto: Divulgação |
1 - Renan você pode fazer um breve resumo do que consiste no seu livro: As fake news como crime no Brasil pós-pandemia: introdução à verdade sobre as notícias fraudulentas a partir da Psicologia das Massas?
Partindo do advento das consequências nocivas causadas pela veiculação de desinformação no contexto da pandemia de covid-19 no Brasil, o livro sugere que para a construção de um debate sério sobre a criminalização das fake news, além da compreensão dos aspectos tecnológicos, é imprescindível a inserção de um estudo baseado na psicologia das massas, ramo do conhecimento psicológico que investiga o comportamento do indivíduo em grupo.
Com base nas contribuições teóricas de autores como Gustave Le Bon e Sigmund Freud, é possível concluir que as fake news são um fenômeno de massas. A análise do funcionamento e mecanismo das fake news como forma de manipulação dos indivíduos permite o entendimento de que elas podem ser consideradas uma espécie de fraude que viola o direito à informação, corrompe a liberdade de escolha e autonomia da vontade individual e ocasiona em risco ou concretização de dano. A introdução do aporte teórico da psicologia das massas proporciona, ainda, a superação da aparente e falsa dicotomia entre criminalização das fake news e a defesa da liberdade de expressão e de imprensa.
A análise proposta na obra ainda é capaz de auxiliar na concepção de uma epistemologia apropriada para subsidiar a reação do direito penal ao fenômeno da construção e disseminação de discursos fraudulentos, como forma de obtenção de vantagem política ou financeira, que devastou o Brasil e pode continuar produzindo efeitos maléficos se o problema não for debatido com a qualificação que merece.
Apresentadora Isabella Kubera | Foto: Divulgação |
2 - Qual a sua análise perante o funcionamento e mecanismo das fakes news como forma de manipulação psico social?
A obra tem como fundamento teórico o conhecimento produzido no campo da Psicologia das Massas, que é o ramo da psicologia que estuda o indivíduo em grupo. Essa abordagem é importante, pois as fake news não são um fenômeno individual, não são destinadas a uma pessoa específica, mas sim a uma coletividade, para um grupo com uma finalidade. As fake news são um fenômeno de massas.
Isso representa o contrário do que é predominante nas discussões sobre as fake news atualmente, em que volta-se o foco para o indivíduo isolado, daí surgem as ideias equivocadas sobre liberdade, concluindo que o sujeito acredita em uma notícia falsa “porque quer”, como se fosse um exercício de sua liberdade. Da mesma forma, concluem sobre aquele que espalha fake news, que assim faz “porque quer”, que estaria exercendo sua liberdade de expressão.
Porém, recorrendo à Psicologia das Massas é possível entender que o indivíduo inserido em uma coletividade apresenta características diferentes de quando se está isolado, sendo uma delas o atrofiamento de sua subjetividade e de suas capacidades cognitivas.
Isso quer dizer que inserido em um grupo, aquele que recebe e acredita em uma fake news não está exercendo sua liberdade, mas, ao contrário, está com sua liberdade de cognição prejudicada.
Gustave Le Bon no século XIX e Sigmund Freud no século XX já estudavam e descreviam como o sujeito em grupo é afetado pelo meio coletivo.
As fake news, portanto, não são uma expressão de liberdade, mas de prisão. Como uma modalidade de fraude, as fake news se utilizam de uma enganação para obtenção de ganho, financeiro ou político, oferecendo risco ou causando dano à vítima.
Para que as notícias fraudulentas sejam exitosas, são utilizados elementos já descritos pelos autores da Psicologia das Massas há mais de 100 anos, por exemplo noções como: líder (alguém dotado de autoridade e prestígio perante o grupo); sugestionabilidade (o discurso falso apresenta uma sugestão); contágio (a capacidade de transmissão do discurso); afirmação (o discurso é assertivo e sem comprovação real); repetição (o discurso é reproduzido constantemente), dentre outros.
Essa análise que une direito e psicologia é fundamental para que seja possível entender o fenômeno das notícias fraudulentas.
3 - Com bases neste estudo da análise do funcionamento e mecanismo das fakes news como forma de manipulação quais são as consequências para a sociedade brasileira?
Com a disseminação das fake news o indivíduo tem cada vez mais uma subjetividade restringida em prol da crença defendida pelo grupo. Assim, instaura-se um sentimento de repulsa e aversão por tudo aquilo que representa um desvio à ideologia do grupo. O sujeito em grupo passa, então, a adotar como verdadeiro o discurso falso presente nas fake news. Tal conclusão parece inofensiva, mas não o é quando esse sentimento coletivo representa uma quebra do princípio da confiança perpassa a vida em sociedade e configura risco ou concretização de dano para os indivíduos.
Essa ausência de confiança foi óbvia quando, estimulados por notícias fraudulentas, indivíduos negaram a gravidade da pandemia, desacreditaram da adoção de medidas de cuidado e de prevenção, bem como menosprezaram a necessidade de vacinação, mesmo que durante toda sua vida tenham se vacinado. Essa tendência à negação ficou conhecida como negacionismo. A visualização do elemento dano também foi nítida no período pandêmico no Brasil, quando pessoas colocaram a própria saúde em risco e a saúde das pessoas com quem conviviam, ocasionando lesões, sequelas e mortes, por acreditarem em discursos fraudulentos e adotarem condutas que atendiam às sugestões das fake news. Essa noção de prejuízo também foi perceptível em relação à democracia brasileira, posto que a propagação de fake news turva o processo eleitoral; atenta contra a reputação de instituições de estado e agentes públicos; e combinada com o negacionismo colabora para erosão da confiança entre os indivíduos em sociedade. Como já mencionado, como uma espécie de fraude, o discurso da notícia fraudulenta utiliza-se de uma enganação para obtenção de lucro, seja ganho financeiro ou vantagens políticas, gerando risco ou concretização de dano para o indivíduo e a sociedade.
No Brasil, principalmente durante a pandemia de COVID-19, já foi demonstrado que as fake news tem potência para ocasionar consequências devastadoras para o indivíduo e para a sociedade.
4 - Com o possível reconhecimento da criminalidade das fakes news no ambiente virtual você acredita ser importante e possível a criação de leis efetivas no combate as fake news na legislação brasileira?
Sim. Para que isso seja possível é preciso justamente amadurecer o debate em torno das fake news.
As fake news já são criminalizadas por lei em âmbito eleitoral, no contexto da campanha eleitoral. Esse já foi um passo importante, que reconheceu que o discurso fraudulento pode influenciar negativamente a decisão do indivíduo e que sinalizou para a proteção da integridade do pleito eleitoral, que é a representação maior de exercício da cidadania.
Quanto a outros casos, já existem projetos de leis que criminalizam as fake news a serem debatidos na Casa do Poder Legislativo.
Como é o principal meio de circulação de fake news, a internet não pode mais ser considerada uma terra sem lei, pois aqueles que propagam notícias fraudulentas se resguardam nessa noção de impunidade e desregulação que permeia o meio cibernético. Ainda que o discurso seja propagado em meio virtual, suas consequências e efeitos são percebidos no mundo real, pois o indivíduo em grupo tem o impulso de colocar em prática a sugestão trazida pela notícia fraudulenta. A criminalização de certa conduta exige um amplo debate, ainda mais se tratando de um fenômeno complexo como são as fake news.
Para a criminalização das fake news, a Psicologia das Massas também tem muito a contribuir, oferecendo elementos para melhor compreensão do que são e como funcionam as notícias fraudulentas, que representam uma violação ao direito à informação, ao direito de escolha e à autonomia da vontade.
Essas noções são melhor consideradas e compreendidas pela abordagem e análise que traz a obra, pois é com a Psicologia das Massas que podemos entender melhor o fenômeno das fake news e, assim, fazer um debate mais qualificado sobre as questões jurídico-criminais que se apresentam.