Parte I - Segurança Viária: A Demagogia, a Hipocrisia, a Manipulação de Informação em torno dos limites de velocidade na cidade São Paulo
Em três textos, necessário colocar o dedo na ferida que mexe profundamente com os usuários da via pública da cidade de São Paulo: “Limites de velocidade”, “Ciclofaixa e Ciclovia”, “Motocicletas, corredor e proibições”.
Longe de ser dono da verdade, meu objetivo é levar uma reflexão aos próximos gestores de trânsito da cidade, bem como, especialmente, aquele que prometeu gestão e não política na condução da cidade de São Paulo.
Há pouco mais de 10 anos quando participei da minha primeira reunião de pauta, meu então editor, Ryo Harada, puxou uma cadeira que ficou vazia, ninguém sentou: simbolicamente ali estava o leitor e discutíamos qual o tipo de informação deveríamos levar ao leitor, bem como, se interesses escusos poderiam mudar a verdade sobre determinada notícia.
Desde então, quando escrevo, penso na cadeira, em quem vai ler, independentemente da idade, sexo, cor, credo, cultura, partido etc...
No papel de leitor, sempre analiso o que está por trás da notícia, ou seja, o que não foi dito que poderia ter sido dito.
É o caso da redução das mortes nas vias públicas da cidade de São Paulo, aliás, hoje noticiado na mídia que em agosto o índice voltou a subir, especialmente nas Marginais Pinheiros e Tietê.
Quando vejo a imprensa divulgar que de vinte e quatro mortes nas Marginais, ocorreu só uma, me pergunto: mas quantos atropelamentos ainda aconteceram? Houve sequelados? O que um pedestre fazia em uma via expressa como as Marginais Pinheiros ou Tietê? Pode atropelar desde que não mate?
Antes me sinto na obrigação de trazer algumas definições:
Demagogia: termo que tem como origem o radical grego demo, que significa povo, e gogia (também uma palavra grega), que significa conduzir, portanto, "arte ou poder de conduzir o povo". É uma forma de atuação política na qual existe um claro interesse em manipular ou agradar a massa popular, incluindo promessas que muito provavelmente não serão realizadas, visando apenas a conquista do poder político ou outras vantagens correlacionadas.
É a estratégia de condução político-ideológica, valendo-se da utilização de argumentos apelativos, emocionais ou irracionais, em vez de argumentos racionais para proveito próprio.
Hipocrisia: ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade. Algo muito utilizado na política brasileira: será que existe toda essa preocupação com a vida humana? Se fosse verdade, não teríamos corrupção. A arrecadação com multas teria sido aplicada na segurança da via pública com verdadeiros projetos, a arrecadação de multas não teria sido desviada como aponta o Ministério Público. E o que falar das ciclofaixas?? E o custo da tinta?
Manipulação de Informação: o filósofo e linguista Noam Chomsky afirma que na batalha diária de “fazer cabeças”, é de suma importância “dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade ou deficientes mentais. A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantil, muitas vezes próxima da debilidade, como se o espectador fosse uma pessoa de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se tenta enganar o espectador, mais se tende a adotar um tom infantil. Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, por razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos”.
Um importante jornal, coloca naquela cadeira que aprendi há 10 anos o personagem “Homer Simpson” quando discute a pauta, ou seja, sua notícia é para o espectador ou leitor, pai de família que adora ficar no sofá, comendo rosquinhas e bebendo cerveja, é preguiçoso e tem o raciocínio lento e há quem diga que já se ouviu a afirmação do editor: esta (notícia) Simpson não vai entender.
E assim, se manipula a sociedade, inclusive levando-a ao erro.
Via expressa: o Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro define “Via de Trânsito Rápido” também conhecida como “Via Expressa”: aquela caracterizada por acessos especiais com trânsito livre, sem interseções em nível, sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros e sem travessia de pedestres em nível. Vias na cidade de São Paulo que se enquadram como via expressa ou “Via de Trânsito Rápido”: Marginal Tietê, Marginal Pinheiros, Corredor Norte-Sul, Ligação Leste-Oeste.
Via urbana: também o Anexo I do CTB, define: ruas, avenidas, vielas, ou caminhões e similares abertos à circulação pública, situados na área urbana, caracterizados principalmente por possuírem imóveis edificados ao longo de sua extensão. Vias na cidade de São Paulo que se enquadram: Av. Luís Carlos Berrini, Avenida Paulista, Avenida Pacaembu, Avenida Giovani Gronchi, apenas como alguns exemplos.
Não houve estudo para redução de velocidade nas Marginais
Sabe aquele aluno que na fase de TCC copia um trabalho?
A minha sensação é de que a gestão da Prefeitura da cidade de São Paulo fez isso! Pegou vários trabalhos e aplicou na cidade, todavia, com realidades diferentes.
Se você acessar o site da CET/SP no sub-diretório Segurança e Mobilidade e acessar o ícone Redução de Velocidades das Marginais, espero que não tirem o material do ar, apesar de que fiz dowload de todos, pode ficar surpreso com o farto material em pdf lá encontrado, da mais alta qualidade e quantidade um total de 23 estudos, incluindo da ABRAMET e da própria CET, a grande maioria, com estatísticas de acidentes e mortes que não apontam a causa do acidente, mas o resultado, com exceção ao manual de “Gestão de Velocidade” da OMS – Organização Mundial de Saúde (click aqui para ler) que aponta métodos que não foram seguidos.
Todavia, por melhor que seja o material, das mais renomadas instituições do planeta Terra, também vai perceber que não houve estudo técnico para se determinar a redução de velocidade nas Marginais.
Click aqui e leia a apresentação do Secretário Jilmar Tatto.
Não houve um estudo começando do zero para a nossa realidade.
Houve sim, uma decisão política e não técnica com base nos estudos realizados em outros países ou regiões, onde em cada estudo frisa-se, deixa muito claro a necessidade da redução de velocidade onde há concentração de pedestres e ciclistas, ou seja, em via urbana, devendo ainda, levar em consideração a obra, a arquitetura da via pública, bem como, a necessidade de fiscalização e punição de todos os usuários, não só do motorista ou do motociclista.
Há menção de milhares de pedidos de cidadãos paulistanos pela redução de velocidade, todavia, não se refere as Marginais. Isso é manipular informação.
Todos os casos, fartamente noticiados, na imprensa nos últimos tempos, como redução de velocidade em Nova Iorque, Londres e outras cidades, se deu em via urbana e não em via rápida. Um detalhe que parece tolice, mas muito bem manipulado e que serve e serviu para aumentar arrecadação com multas de trânsito.
Portanto, 50km/h é bem-vindo, desde que haja critério razoável, plausível, todavia, uma via local (aquela caracterizada por interseções em nível não semaforizadas, destinada apenas ao acesso local ou áreas restritas) como estabelecimento de educação/ensino não pode ter fixado a velocidade de 50km/h, mas de 30 km/h e basta andar por São Paulo para constatar essas aberrações.
Se em regiões como Paulista, Berrini, av. Santo Amaro, Av. Giovani Gronchi, Washington Luiz, seja pela densidade demográfica, seja pela arquitetura péssima, é bem-vindo a velocidade de 50km/h, o mesmo não se pode afirmar nas Marginais (90Km/h e 70km/h), Radial Leste (70km/h) 23 de Maio (70km/h), Bandeirantes (60km/h).
Mudança de velocidade repentina. Proteção ao pedestre onde não deve estar ou arrecadar multa? |
Outra coisa que chama atenção é que a CET/SP e a Secretaria de Transporte fundamenta tal decisão no artigo 61 e seu § 2º, todavia, ignorou a Resolução 180/05 do CONTRAN que determina expressamente que para a redução de velocidade, a necessidade de atendimento aos “procedimentos para regulamentar a redução de velocidade”, com base em estudos de engenharia que levem em conta diversos fatores, entre os quais: tempo de percepção do condutor, distância de frenagem em função da redução, de forma a garantir a segurança; e distância da legibilidade da placa. (in Código de Trânsito Brasileiro – anotado e comentado por Julyver Modesto de Araújo, pág. 97/98 – editora Letras Jurídicas).
Portanto, não houve um estudo de engenharia in loco nas Marginais, ao menos com base nas informações da própria CET/SP, todavia, tão somente, a redução de velocidade com base em atropelamentos, estudos de outras regiões e países que, data vênia, não se aplicam ao caso concreto das vias em questão. Servem como parâmetro de estudo e não de aplicação. Onde estão os cálculos de fluxo de veículos, velocidade média, velocidade real, veículos em excesso de velocidade, fluxo demográfico que justifique tal medida??
Lembrando: não há que se falar no trânsito de pessoas em via expressa!!!!!
Necessário deixar bem claro, que estudos de engenharia deve levar em consideração largura da faixa de rolamento, qualidade do asfalto, retas, curvas, inexistência de buracos e ondulações, possíveis obstáculos que possam agravar um acidente de trânsito, espécie e função da via, fluxo de veículos, velocidade média, questões determinantes no estudo da OMS e ignorados pela própria CET/SP.
Aliás, não lembro de um só estudo que demonstrasse a causa primária do acidente e se a redução da velocidade fosse, realmente, a solução da questão, o mesmo se daria nas rodovias que chegam a cidade e também sofrem com atropelamentos: Rodovia dos Bandeirantes, Castelo Branco, Fernão Dias, Raposo Tavares, Anhanguera, Rodoanel, Dutra, Ayrton Senna.
No curso de Auditor de Segurança Viária pela Fundación Mapfre Espanha, aprende-se que o critério determinante para velocidade da via é: arquitetura da via, destino da via, sua função, visibilidade, considerando o que chama de Fatores Externos (Orografia, Geologia, Climatologia, Hidrologia, Demanda do Trânsito) e Fatores Internos (Velocidade, Visibilidade, Estabilidade em curvas e retas, Coerência), alinhado com o manual da OMS.
Quando se fala em fiscalização, ter a certeza de que pedestre não cruzará via expressa ou de que condutor não tenha visibilidade prejudicada da via e de tudo que acontece a sua volta, inibindo o uso de aparelho celular, aqui caímos em dois temas: falta de visibilidade causada pela película escura e distração pelo uso do celular. Deixemos de lado, por enquanto, fatores de exclusiva responsabilidade do Estado: qualidade e segurança oferecida da via pública.
Velocidade nas Marginais: causa primária ou secundária?
Devemos deixar bem claro a diferença de causa primária e secundária em um acidente de trânsito.
Causa primária é o ato que causou o acidente propriamente, pode ser um buraco, uma ondulação, mudança de faixa sem sinalização, falha mecânica, distração ao celular, ingestão de álcool ou drogas, falta de visibilidade, pedestre em via expressa, dentre outras possibilidades.
Causa secundária ou agravante do acidente de trânsito: um obstáculo, por exemplo uma árvore em área de escape, um poste em local indevido, falta de proteção, velocidade...
Portanto, nas Marginais com base em estudos de outras regiões do mundo cujo objeto era “veículo automotor X velocidade X grande concentração populacional”, foi tratado o fator secundário ou causa secundária/agravante em um acidente de trânsito, que não se aplica aos casos apresentados, e não a causa primária, no caso o pedestre, o que causou o acidente.
Diminuir a velocidade nas Marginais sob o argumento de atropelamentos é admitir a incompetência de fiscalização pelo simples fato de que ali não é admissível o tráfego de pessoas, é uma via rápida ou via expressa.
Portanto, pode atropelar nas Marginais, desde que a 50km/h!?!?!? Pode usar aparelho celular? Pode usar película escura (leia aqui) que tira visibilidade periférica do condutor? Pode ter buracos e ondulações?? Em país sério, pedestre em via expressa é multado, as vezes preso! (leia aqui)
Engraçado que não vejo a imprensa mencionando a película escura. Precisa ser muito leviano afirmar que com a película escura tem boa visibilidade no período noturno ou com chuva, já que não tem nem com sol a pico. E a desculpa de segurança, cai por terra, quando vemos notícias de delinquentes por horas dentro do carro com a vítima em via movimentada sem que ninguém enxergasse.
A própria CET/SP informa que o maior número de acidentes e os mais graves ocorreram no período da noite. Pergunto: tinha película escura no veículo? Houve triangulação dos sinais de celular para saber se o motorista fazia uso naquele momento? O motorista estava drogado ou alcoolizado?
Se a maior causa de mortes é por atropelamentos e não vítimas por abalroamento entre veículos, como determinaram velocidade como causa sem dados coerentes e robustos??
Se velocidade fosse causa principal de morte, como pregam, Alemanha seria a 1ª do ranking mundial. Lá morrem menos de seis mil pessoas por ano, um dos melhores índices do mundo e com viés de queda.
Não é só uma medida isolada sem estudo que reduzirá de uma vez por todas a mortalidade em nossas vias, todavia, a Espanha que reduziu entre 2005-2011 em 56%, o fez com mais de uma centena de medidas, começando, inclusive, com asfalto perfeito e não construído até a próxima chuva, faixas de rolamento com o mínimo de 3,50 metros que oferece conforto e segurança ao usuário, proteções pensadas, também, para os motociclistas; sinalização perfeita (em São Paulo tem ciclofaixa, mas não tem faixa dupla pintada - vide Rua Dr. Luiz Migliano no Morumbi e a aberração que fizeram na Av. Francisco Morato (saia de Taboão da Serra sentido São Paulo)?? - só para mencionar exemplos), fiscalização e punição para todos, inclusive ciclistas e pedestres.
Portanto, se a redução de velocidade só cumpriu seu verdadeiro papel, na Via Urbana, onde há certa concentração de pedestres e ciclistas, fazer a mesma afirmação e vangloriar-se de resultados pífios das Marginais é demagogia e ou hipocrisia.
Explico: não aceito a possibilidade de uma só morte por atropelamento em via rápida ou expressa, pelo simples fato de que ali não é lugar para trafegar pedestre ou ciclista. Se você está feliz com os números apresentados, parabéns, você foi ludibriado, manipulado, tratado como um Homer Simpson.
Sugestão: multar pelo CPF e prender pedestre que tente trafegar em via rápida. A solução não está na redução de velocidade, mas impedir por completo o trânsito de pedestre e ciclistas em tais vias, ao invés de incentivar ambulantes.