Não se pode brincar com a democracia tão duramente conquistada, nem ser incauto ou inconsequente. O nobre presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, hoje um dos brasileiros mais bem cotados com a opinião pública nacional, arrumou para a cabeça, aumentando, de graça, o hostil clima de confronto que reina entre as instituições. Alguém precisa dizer para o ministro: não faz mais isso Joaquim! Vejam só como foi desnecessário o chute que o ministro deu na canela do Legislativo. Logo agora que a poeira recém estava baixando, Joaquim Barbosa, em uma palestra para estudantes, declarou que o Congresso Nacional é “inteiramente ineficiente, dominado pelo Executivo”. Em sua análise, observou que “os políticos brasileiros são de mentirinha”, que a população não se identifica com os partidos políticos e que não há consistência programática ou ideológica, os “partidos só querem o poder pelo poder”. Convenhamos caro Joaquim! Até o mais desinteressado dos brasileiros sabe disso. A análise bastante óbvia do ministro do STF já foi feita por milhões de políticos, jornalistas, sociólogos, empresários, estudantes, enfim por qualquer um que acompanha a política minimamente. O ministro poderia ter ficado sem essa polêmica.
Joaquim Barbosa não pode esquecer que não é um cidadão comum, uma vez que ocupa o cargo de presidente da mais Alta Corte do país. Assim, embora o Congresso Nacional seja merecedor dessas e de outras críticas mais contundentes, as declarações gratuitas e desnecessárias, generalizando os comportamentos individuais e coletivos, da situação e da oposição, ganham o status de ataque entre poderes em um momento em que os ânimos estão exaltados. O ministro teria razão se nominasse os deputados ineptos, mas a crítica genérica ao parlamento não fortalece a democracia. Essa é uma crítica que cabe perfeitamente ao cidadão comum. Depois que o angu estava feito e o caldo ficou grosso, o ministro sofismou dizendo que fez as declarações no âmbito acadêmico. Justificou-se dizendo que o professor e o ministro do Supremo são pessoas diferentes. Ora Joaquim, você estava indo tão bem no julgamento do mensalão!
Exceção feita aos períodos ditatoriais, a dispusta pelo poder sempre houve, mas o fenômeno novo que está em curso no país são os ataques às instituições que estabelecem os parâmetros e garantem uma relativa civilidade do “jogo democrático”. O caso da Venezuela torna-se uma comparação muito apropriada. Lá, o Chavismo perseguiu a imprensa independente, amordaçou os órgãos de investigação, infiltrou-se no judiciário e esmagou a oposição parlamentar. Ás voltas com escândalos de corrupção, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, quer acabar com o maior grupo de comunicação do país ao mesmo tempo em que maquia, descaradamente, os indicadores econômicos a ponto de receber a rejeição dos organismos internacionais. Nos Estados Unidos, o “democrata” Barack Obama mandou o fisco para cima das empresas apoiadoras dos republicanos e permitiu que o FBI grampeasse os telefones dos jornalistas que revelavam as mazelas do governo.
Por aqui, as regras que balizam o jogo estão esticadas. O ano de 2013 está marcado pelo ataque às instituições e por uma sede de poder nunca antes vista. A despeito de alguns excessos cometidos por promotores, os políticos querem retirar do Ministério Público a possiblidade de realizar investigações num país em que os desvios de recursos oficiais são diários. Políticos envolvidos no mensalão insistem na necessidade de controlar a imprensa. Depois que Gilmar Mendes atropleou o Congresso e interferiu na criação dos partidos, o troco partiu da Comissão de Justiça, da qual fazem parte cidadãos acima de qualquer suspeita, Paulo Maluf, João Paulo Cunha e José Genoíno. Os réus do mensalão inspiraram um ataque frontal ao poder constitucional do Supremo. Se for do seu interesse, o governo até consegue a façanha de fazer deputados e senadores trabalharem à noite, sem dormir, para aprovar um projeto “de grande interesse público”. Se for para conquistar mais um aliado de última hora — abracadabra — cria-se mais um ministério das micro e das pequenas empresas, da pesca ou de qualquer outra atividade econômica. Que ninguém se iluda! O ataque e o cerceamento às instiuições ocorrem no plano federal, estadual e municipal com o aparelhamento do Estado pelos grupos que estão no poder. Esse é justamente o maior risco que a democracia corre: quando muito antes das campanhas eleitorais e das eleições, o eleitor já sabe, de antemão, quem vencerá a disputa.