Colaboradores - Valéria Calente

O novo panorama jurídico e a exigência da especialização advocatícia

7 de Outubro de 2025
Foto: Divulgação

Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado uma crescente judicialização da saúde, com demandas em massa para que o Poder Judiciário obrigue o Estado ou planos de saúde a fornecer medicamentos ou tratamentos que não estão previstos no rol, não estão registrados na ANVISA ou não estão incluídos nas listas de cobertura do SUS. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal definiu recentemente as teses do Tema 6  e do Tema 1234, ambas sob o regime da repercussão geral, para disciplinar quando e como tais obrigações podem ser impostas ao Estado.

Esses temas, ao impor critérios rigorosos e mais técnicos, acabam por transformar as ações de saúde em litígios de alta complexidade. Isso eleva consideravelmente o grau de exigência do advogado que atua ou pretende atuar nessa área. Em suma: quem quiser ser eficaz nessa seara já não pode depender apenas de conhecimentos genéricos; precisa ser estudioso e buscar especialização.

O IV Congresso de Direito Médico e Saúde da OAB/SP, trouxe esse cenário demonstrado por nomes que são referências na área de saúde.

A seguir, resumo dos contornos dos Temas 6 e 1234 e, e necessidade de que, para que o cidadão tenha garantido seu constitucional direito à saúde, cada vez mais os advogados se especializem nessa área.

Breve panorama dos Temas 6 e 1234

Tema 6 — medicamentos não incorporados e critérios para concessão judicial

No Tema 6, o STF firmou a tese de que, como regra, o Judiciário não deve determinar o fornecimento judicial de medicamentos que não constem das listas oficiais de cobertura do SUS, salvo em situações excepcionais e desde que preenchidos requisitos cumulativos.

Entre os requisitos fixados estão:

- que o medicamento já tenha sido solicitado na via administrativa e negado;

- que haja ilegalidade ou omissão do ente de saúde em incorporar o medicamento (ou demora no processo de incorporação);

- que não exista substituto terapêutico oferecido pelo SUS;

- comprovação científica robusta de eficácia, segurança e efetividade (medicina baseada em evidências);

- imprescindibilidade clínica do tratamento;

- incapacidade financeira do paciente de custear o medicamento.

Além disso, o STF rejeitou a modulação de efeitos do Tema 6, o que significa que os entendimentos fixados devem valer para ações pretéritas também, em muitos casos.

A tese privilegia a mediação entre o direito à saúde e a complexidade orçamentária e técnica envolvida no fornecimento de insumos médicos excepcionais, com os olhos voltados para a não inviabilização do sistema de saúde pública.

Tema 1234 — competência e paramétrica federativa na judicialização da saúde

O Tema 1234 se ocupa da competência para julgar demandas de medicamentos não incorporados, mas que estão registrados na ANVISA, definindo que essas demandas tramitem pela Justiça Federal quando o custo anual do tratamento for igual ou superior a 210 salários-mínimos, com base no Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG).

Esse critério de competência foi objeto de modulação de efeitos: aplica-se somente aos processos ajuizados após a publicação do acórdão ou conforme os marcos temporais fixados.

Ademais, o Tema 1234 homologou acordos interfederativos que visam organizar responsabilidades entre União, Estados e Municípios, introduzindo mecanismos estruturais para lidar com a judicialização da saúde.

Com isso, já não se trata apenas de saber “pleitear medicamento”, mas de entender os limites constitucionais, processuais, orçamentários e técnicos que atravessam essas demandas.

Diante desse cenário, o advogado que pretende atuar na área da saúde judicializada enfrenta desafios que vão muito além da redação de petições ou da replicação de modelos. A seguir, apresento os principais motivos pelos quais a especialização e o estudo aprofundado se tornaram imperativos:

1. Complexidade técnica e interdisciplinaridade

Os julgamentos dos Temas 6 e 1234 impõem exigências de natureza científica, médica e técnica (ex.: evidência científica, análise de protocolos, laudos clínicos). Um advogado que desconheça os fundamentos da medicina baseada em evidências, das normas da ANVISA e das políticas públicas de saúde estará em desvantagem.

Além disso, muitas vezes será necessário dialogar com peritos, consultores técnicos ou órgãos como NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário). É essencial que o advogado saiba como contratar, questionar e interpretar laudos técnicos.

2. Domínio de normas, jurisprudência e controle de precedentes

Com os temas fixados pelo STF sob repercussão geral, a jurisprudência passa a ter força vinculante plena. Isso exige que o advogado acompanhe atentamente os precedentes, a modulação de efeitos, os embargos de declaração e os desdobramentos desses entendimentos nos tribunais estaduais e federais.

Não basta saber “pedir o medicamento”; é necessário demonstrar que o caso concreto atende rigorosamente aos critérios fixados, sob pena de indeferimento liminar ou negativa de recurso.

3. Habilidade em construção probatória robusta

Como os requisitos são cumulativos, a formulação probatória da ação (laudos, pareceres técnicos, documentos de eficácia, relatórios científicos) é central para o êxito do pleito. O advogado deve saber planejar e coordenar essa fase, orientando seu cliente, selecionando peritos, formulando quesitos e impugnando contrarrazões técnicas.

4. Adaptação processual e estratégica

Os novos temas requerem que o advogado avalie estrategicamente:

- se vale a pena ajuizar a ação (diante da complexidade probatória, do custo e do risco);

- se deve requerer tutela de urgência ou aguardar;

- como modular pedidos (ex: medicamentos substitutos, fases de tratamento) para minimizar embaraços;

- qual tribunal é competente (tema 1234) e o momento de suscitar conflitos de competência.

Essas decisões demandam experiência, estudo e sensibilidade estratégica.

5. Atualização contínua e pesquisa especializada

Como esse campo jurídico está em constante mutação — novas decisões, alterações normativas, posicionamentos científicos — o advogado deve estar permanentemente atualizado. Não se trata apenas de ler decisões, mas de acompanhar revistas especializadas, cursos, pesquisas na interface direito-saúde e debates técnico-jurídicos.

Assim, a especialização (pós-graduação, cursos de extensão, grupos de estudo) deixa de ser opcional e passa a ser requisito para atuação qualificada nessa área.

Conclusão

Os Temas 6 e 1234 do STF representam não apenas marcos jurisprudenciais para a judicialização da saúde, mas também marcos de exigência para o perfil profissional do advogado. A complexidade técnica, a rigidez probatória, o peso dos precedentes e o diálogo com ciências afins transformaram cada ação de saúde em um litígio especializado e de alto risco.

Portanto, para o advogado que aspira atuar eficazmente nesse campo, a postura de estudioso, de pesquisador contínuo, e de especialista não é mais recomendável: é necessária. Quem não adquirir esse preparo tende a obter resultados medíocres ou sofrer rejeições prejudicando o paciente.

Lista de palestrantes no IV Congresso (programação oficial)

Dra. Juliana Hasse — Presidente da Comissão de Direito Médico e Saúde da OAB SP — abertura e presidência de mesa.

Dr. Francisco Balestrin — Palestra Magna: “Breve visão da conjuntura da saúde no Brasil”

Dr. Cristiano Plate — Mesa: “A judicialização na saúde suplementar – sustentabilidade e medidas alternativas” (presidente de mesa)

Dr. Gustavo Ribeiro — Expositor: “Segurança Jurídica como Pilar da Sustentabilidade da Saúde Suplementar e da Proteção ao Beneficiário”

Dr. Antoine Daher — Expositor: “Doenças Raras: Desafios da judicialização”

Dr. Vitor Moreira Lima — Expositor: “Desafios e Expectativas enfrentadas no Judiciário”

Dr. Daniel Tostes — Expositor: “A regulação aliada ao Judiciário”

Dr. José Luiz Toro da Silva — Expositor: “Autogestões e perspectivas ADI STF”

Dra. Adriana Galvão — Expositora: “Operadoras de Saúde e o Desafio da Humanização: caminhos para melhores práticas”

Dr. Alfredo Viana — Expositor: “Como promover a desjudicialização”

Dr. Paulo Rebello Filho — Moderador na parte da manhã (tema de saúde suplementar)

Dr. Diego Viegas Veras — Palestrante: “Temas 6 e 1234” (juiz do TRF-4)

Dra. Simone Gomes Casoretti — Expositora: “Núcleo 4.0 – Medicamentos SUS”

Dr. Élio Tanaka — Expositor: “A visão da Indústria Farmacêutica com relação aos Temas 6 e 1234”

Dr. Solano de Camargo — Expositor: “IA no Direito da Saúde”

Dra. Ana Cláudia Brandão — Expositora: “A visão do Judiciário quanto aos Temas 6 e 1234”

Dr. Richard Pae Kim — Expositor: “A missão do NAT-JUS – CNJ na implementação da tecnologia de apoio às solicitações de medicamentos”

Dra. Goldete Priszkulnik — Moderadora no painel do NAT-JUS

Dr. Walter Rodrigo Miyamoto — Presidente de Mesa no painel “Responsabilidade Civil Médica: Desafios, Tendências e Soluções”

Dr. César Eduardo Fernandes — Expositor: “O exame médico como forma de melhora da atuação do médico”

Dr. José Alejandro Bullón — Expositor: “Desafios da Regulação Médica e o Ato Médico”

Dr. Gustavo Fernandes Pereira — Expositor: “A relação médico-hospital: Responsabilidades e a conformidade ética bilateral”

Dr. Antônio Carlos Endrigo — Moderador no painel de responsabilidade civil médica

Uma oportunidade ímpar de ampliar conhecimentos nessa área.

Parabéns à Dra. Juliana e à OAB/SP.

 

Valéria Calente

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