Presídios superlotados, violência, falta de assistência à saúde, ausência de perspectivas de ressocialização para os egressos. Os problemas do sistema carcerário brasileiro, que vieram à tona no fim do ano passado, após a divulgação dos assassinatos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA) e os ataques à população comandados de dentro dos presídios, não são característicos de um estado apenas. A crise assola todo o sistema carcerário do país. É o que diagnostica a série de reportagens "Prisões brasileiras: um retrato sem retoques", que a TV Brasil exibe a partir desta segunda-feira (24) às 21h no Repórter Brasil.
O telejornal aborda o perfil dos brasileiros que vivem no sistema penitenciário, a condição dos que estão provisoriamente privados de liberdade, a vida de mulheres e crianças que vivem atrás das grades e as possibilidades de ressocialização.
Para conhecer esse sistema, a equipe da emissora pública pediu autorização para visitar presídios, em diversos estados do Brasil. Teve permissão para ir a três, no Piauí, Pernambuco e Paraná. Em delegacias e presídios, foram entrevistados detentos, agentes penitenciários, médicos, assistentes sociais e outros servidores que convivem em verdadeiras cidades cercadas por grades. O resultado dessas visitas são abordados em cinco episódios que traçam o panorama do sistema penal, enfrenta temas como a descriminalização de condutas e mostra a face daqueles que cumprem penas.
A série da TV Brasil discute o problema e mostra aqueles que são diretamente afetados por ele: das mais de 513 mil pessoas que estão em presídios, segundo dados de 2012 do Departamento Penitenciário Nacional, 482 mil são homens; 266.237 têm idade entre 18 e 29 anos; 468.462 são negros ou pardos. Números que levam a subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko, uma das entrevistadas, a afirmar que "Uma das características do sistema penal é a seletividade. Ele seleciona. Ocorre uma criminalização que nunca é igual ao tamanho da criminalidade".
Reportagens revelam que o país tem a quarta maior população carcerária do mundo
A causa das prisões são abordadas nos episódios da série de reportagens. No Brasil, 267.975 pessoas foram presas por praticar crimes contra o patrimônio e 131.198, por tráfico de drogas e entorpecentes. Problemática que gera discussões polêmicas, como a descriminalização de condutas hoje consideradas crimes, dentre as quais o uso de determinadas drogas. "A discussão que se trava é a questão do tráfico, do pequeno tráfico. Isso o Congresso Nacional tem enfrentado, o próprio governo federal tem enfrentado. Estamos na expectativa de uma solução para que esse nível de encarceramento diminua", afirma o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, Augusto Eduardo de Souza.
De acordo com o Centro Internacional de Estudos Penitenciários, vinculado à Universidade de Essex, no Reino Unido, o Brasil é hoje o 4° país com maior população carcerária no mundo. Muitos dos presos brasileiros sequer deveriam estar atrás das grades. "Pouco mais de 40% dos nossos presos são provisórios", segundo o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, juiz Douglas Martins. De acordo com ele, o país não está executando as penas de maneira adequada. "A situação constatada pelo CNJ, em praticamente todos os estados da federação, é que não estamos conseguindo executar corretamente a pena, no Brasil".
Repórter Brasil destaca iniciativas que ajudam a ressocializar condenados
Mas bons exemplos podem ser encontrados. A reportagem mostra que o uso da tecnologia da informação tem acelerado a tramitação dos processos, no Paraná. Após a adotação do sistema, que avisa quando o preso tem direito a algum benefício ou mesmo quando a pena chegou ao fim, o prazo para a análise do juiz, que chegava a ultrapassar seis meses, caiu para, em média, duas semanas. Também no estado, o repórter Pedro Henrique Moreira foi até a Colônia Penal Agroindustrial de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, onde 90% dos presos trabalham. Um exemplo da política de ressocialização ainda residual, no país.
Técnico em mecatrônica e hoje estudante universitário, o detento André Fabiano de Brito relembra como começou a se envolver em atividades de ressocialização: "Eu procurei achar alguma coisa que eu pudesse ocupar a minha mente, ocupar meu físico, ou seja, trabalhar, cansar, descansar. Enquanto eu estivesse trabalhando ou lendo, eu não estaria com a mente dentro da cadeia. Eu estaria longe". Ele enfrentou o preconceito e hoje, conta os dias para sair da prisão e para ingressar no mercado de trabalho como cidadão livre. "Apesar de eu trabalhar na área da confecção desde os 16 anos, era costureiro, mas sempre que tinha um emprego melhor eu não tinha qualificação. Hoje o mercado de trabalho está fazendo fila para esperar. Eu posso ter a opção de poder escolher", comemora.
Possibilidades como a de André não foram encontradas por Maria de Jesus, uma das presas que a equipe da TV Brasil conheceu na Penitenciária Feminina de Teresina (PI). Na sexta passagem pela prisão, Jesus, como é chamada, relata as dificuldades de conseguir emprego depois de passar pelo sistema carcerário. Ela, como muitas mulheres, também conta a dificuldade de conviver com suas crianças, atrás das grades, em espaços que sequer contam com berçários: "[a filha] Ficou comigo na prisão até onze meses. Quando trancava o banho de sol, ela já ficava em pé no portão, balançando a grande, querendo sair. Aquilo ali me doía tanto...".
A situação é retrata em um dos episódios, que também aborda medidas tomadas para garantir a convivência entre mães, pais e filhos, bem como exemplos de presídios que conseguem evitar que as crianças acabem cumprindo pena junto com os familiares. A série também conta histórias como a de Jéssica, jovem que saiu de casa, no Distrito Federal, para viver uma relação amorosa, e que hoje está presa em Teresina. Ela é uma das muitas mulheres que sonham em voltar ao lar. Um lar que foi encontrado pela equipe da TV Brasil, em Águas Lindas de Goiás (DF), onde a mãe de Jéssica esperava, há dois anos, notícias da filha. Uma história emocionante que será exibida, no Repórter Brasil.
Serviço
Série "Prisões brasileiras: um retrato sem retoques"
Exibição entre os dias 24 e 28 de março, no Repórter Brasil, às 21h, na TV Brasil.