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Como uma gangue de prisão brasileira se tornou um Leviatã criminoso internacional

13 de Novembro de 2023

O PCC - Primeiro Comando da Capital - surgiu em penitenciárias notoriamente brutais do país há 30 anos, mas agora controla um comércio de drogas bilionário que abastece grande parte da cocaína da Europa.

Um jovem integrante do grupo criminoso brasileiro PCC exibe seu revólver na periferia de uma cidade da Amazônia. | Foto: João Laet/The Guardian

Em uma clareira na floresta profunda da Amazônia brasileira, um gangster venezuelano marcado por balas estava fumando skunk colombiano.

"Todo mundo sabe que há apenas duas coisas para onde essa vida leva: prisão ou morte", disse o traficante enquanto narrava sua trajetória criminal de 15 anos, de contrabandista de rum adolescente a membro de um dos grupos criminosos organizados mais temidos do mundo.

Enquanto seus comparsas se misturavam sob a árvore de feijão-da-serra, onde vendiam crack, cocaína e maconha, o fora da lei proclamava o lema de sua facção.

"Tudo por um, e um por todos. Juntos venceremos!" ele disse em um misto de espanhol e português na fronteira. "Quince, tres, tres! [Quinze, três, três!] Quince, tres, tres! Quince, tres, tres!"

"Quince, tres, tres" é o codinome alfabético para a preeminente organização criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), que foi fundado há três décadas em uma prisão de São Paulo. Mas o traficante venezuelano estava liderando uma reunião nas áreas rurais de uma cidade na Amazônia, a mais de 3.200 quilômetros da penitenciária onde o PCC nasceu.

"Eles pregam paz, justiça, liberdade, igualdade e união para todos", disse o venezuelano sobre a facção na qual foi "batizado" uma década antes ao fugir para além da fronteira para escapar de ser morto.

Por grande parte de seus 30 anos de existência, o PCC foi considerado uma fraternidade carcerária, recrutando "irmãos" encarcerados, como o venezuelano, oferecendo-lhes proteção nas violentas e superlotadas prisões do Brasil. Criado em agosto de 1993, cresceu para se tornar a facção criminosa mais temida do Brasil, conquistando mercados de drogas, rotas de contrabando, favelas e prisões em todo o Brasil, incluindo cantos remotos da Amazônia. Também se tornou um grande jogador em outros países sul-americanos, como o vizinho Paraguai, onde o grupo foi responsabilizado por roubos à mão armada e atentados a bomba multimilionários, além de assassinatos direcionados.

Mas nos últimos cinco anos, os investigadores afirmam que o PCC - que os EUA agora consideram um dos grupos criminosos organizados mais poderosos do mundo - se transformou em uma força ainda mais formidável ao forjar alianças lucrativas com parceiros que vão desde produtores bolivianos de cocaína até mafiosos italianos. Hoje, o grupo conta com dezenas de milhares de membros e possui uma carteira crescente de interesses, incluindo minas ilegais de ouro na Amazônia. Controla uma das rotas de tráfico mais importantes da América do Sul - ligando Bolívia e Brasil à Europa e África - e é em parte responsável por um tsunami de cocaína que trouxe atentados a bomba, assassinatos e tiroteios para partes da Europa.

"Se alguém está usando cocaína na França, Inglaterra ou Espanha, há uma grande chance de que ela tenha chegado lá pelas mãos do PCC", disse Lincoln Gakiya, um promotor da força-tarefa de crimes organizados de São Paulo, Gaeco, que estima que o grupo agora fatura US$ 1 bilhão por ano.

A história da mutação do PCC de gangue de prisão regional para monstro da máfia começa no início da década de 1990 no estado de São Paulo, então lar de cerca de 50.000 prisioneiros submetidos a condições subumanas em cadeias semelhantes a favelas.

"A prisão era um pesadelo hobbesiano", disse Benjamin Lessing, professor da Universidade de Chicago, referindo-se ao filósofo inglês do século XVII, Thomas Hobbes, que via os humanos como perseguindo implacavelmente seus próprios interesses egoístas. Lessing, cujo próximo livro, "Criminal Leviathans", trata do PCC, acrescentou: "Todos estavam se matando, lutando uns contra os outros, estuprando uns aos outros. Era uma situação infernal".

Esse inferno oculto chamou a atenção global em 1992, quando 111 detentos foram mortos depois que a polícia invadiu a maior prisão de São Paulo, Carandiru, para conter um motim. Alguns foram baleados; outros foram dilacerados por cães policiais. Sobreviventes se esconderam sob os corpos dos companheiros de cela enquanto a polícia espetava os corpos com baionetas para garantir que estivessem mortos.

Dez meses depois, detentos em outra prisão de São Paulo, Taubaté, formaram uma associação criminosa que esperavam poder protegê-los de derramamento de sangue semelhante. "O PCC foi fundado ... porque não havia para onde correr", disse mais tarde o líder atual do grupo, Marcos Willians Herbas Camacho.

Lessing disse que a ideia do PCC era usar uma mão de ferro para assumir o controle de Taubaté e de outras prisões, a fim de proteger os direitos dos detentos - e seus próprios interesses criminosos.

 

Começam nessa situação de pesadelo e acumulam poder suficiente para subjugar todos os rivais. Tornam-se uma espécie de leviatã, assumem o controle e estabelecem uma espécie de ordem social, uma paz, que beneficia a todos.

"Claro, algumas pessoas não gostam", acrescentou Lessing. "Mas para o prisioneiro médio, eles ficam felizes por serem governados, assim como o cidadão médio fica feliz que existe um estado."

Durante a década de 1990, o PCC apertou seu controle sobre o sistema prisional de São Paulo, mas em grande parte passou despercebido até que milhares de guardas e visitantes foram capturados durante uma imensa revolta em 2001. Cinco anos depois, o grupo voltou a ser manchete, paralisando virtualmente São Paulo com uma onda de ataques coordenados à polícia que causaram centenas de mortes.

Gakiya, que na época estava iniciando sua carreira como promotor anti-máfia, disse que a ofensiva do PCC pegou as autoridades completamente desprevenidas. "Não tínhamos ideia de quem estava nos atacando ou quantos eram", admitiu Gakiya. "Estávamos no escuro."

Quase duas décadas depois, o impacto do PCC é cristalino. "O PCC se tornou um cartel sul-americano", disse Marcio Sérgio Christino, promotor e autor que é um dos principais especialistas do Brasil em suas atividades.

Após dominar grande parte do mercado doméstico de drogas no Brasil e estabelecer um monopólio na cena do crime em São Paulo, Gakiya disse que o PCC começou a buscar oportunidades no exterior no final de 2016. Foram fechados acordos com o grupo mafioso mais poderoso da Itália, a 'Ndrangheta, bem como as máfias sérvia e albanesa, e o PCC começou a enviar toneladas de cocaína dos portos brasileiros para a Europa.

"Eles compram essa cocaína [na Bolívia e Peru] por $1.200-1800 por quilo... e vendem [na Europa] por uma média de €35.000. Na França, este ano, chegou a €80.000. Isso gera lucros extraordinários", disse Gakiya.

Christino atribuiu grande parte do sucesso do PCC ao seu líder carismático, Marcola, um ex-menino de rua e assaltante de bancos que assumiu o poder no início dos anos 2000 durante uma luta mortal pelo poder envolvendo seus dois fundadores, Cesinha e Geleião.

"Ele é muito esperto", disse Christino sobre Marcola, um "leitor ávido" cujas preferências literárias incluem Tom Clancy, Sun Tzu e Machado de Assis. Quando perguntado sobre seus cinco escritores favoritos enquanto prestava depoimento em 2006, Marcola citou Nietzsche, Santo Agostinho, Victor Hugo e Voltaire, e afirmou ter lido a Bíblia cinco vezes.

Um relatório de um psicólogo prisional chamou o chefe do PCC de "homem claro, determinado, ousado e corajoso, que teria alcançado grande sucesso profissional se tivesse tido a oportunidade".

Marcola, 55 anos, que cumpre uma pena de 342 anos de prisão por assassinato, roubo e tráfico de drogas, também não é alguém para ser contrariado. No final de 2018, Gakiya decidiu transferi-lo para uma prisão federal de segurança máxima após a descoberta de um audacioso plano de vários milhões de dólares para libertá-lo com a ajuda de mercenários estrangeiros, helicópteros e armas antiaéreas. "Eu sabia que isso poderia mudar minha vida, mas também percebi que era necessário", disse o promotor, admitindo que não consultou sua família antes.

Gakiya não era estranho a ameaças de morte, mas mover Marcola virou sua vida de cabeça para baixo. Líderes do PCC emitiram um "decreto" pedindo o assassinato do promotor, condenando Gakiya a uma existência reclusa que ele comparou à vida de Giovanni Falcone, o defensor anticorrupção assassinado em 1992. "Eu espero, é claro, não compartilhar o mesmo destino que Falcone", acrescentou Gakiya, amante de rock que recebe proteção 24 horas por dia e não se sentiu seguro o suficiente para assistir a um show ao vivo desde a turnê Joshua Tree do U2 em 2017.

Outra pessoa cujo destino Gakiya espera evitar é Marcelo Pecci, um promotor anticorrupção paraguaio que foi assassinado por pistoleiros em motos aquáticas no ano passado enquanto lua de mel em uma praia no Caribe. "Não foi obra do PCC, mas foi crime organizado e mostra que eles podem facilmente te encontrar - assim como eu posso encontrá-los", disse Gakiya, que conhecia a vítima e não tira férias há cinco anos.

"Minha grande preocupação é o futuro. Como será meu futuro depois que me aposentar? Terei que ir para o exílio fora do Brasil para estar seguro?" ele se perguntou.

O traficante venezuelano expressou uma incerteza semelhante sobre seu futuro enquanto estava em seu ponto de drogas ao ar livre, descrevendo o complexo processo de batismo do PCC, que exigia que ele fornecesse aos superiores uma série de "referências" e seis padrinhos chamados de "padrinhos".

Depois de ser admitido, "só há uma saída: a Graça de Deus", disse ele, referindo-se aos pregadores do submundo que às vezes resgatam membros em busca de um novo começo.

O venezuelano expressou orgulho em ser um "irmão" do PCC, um status que salvou sua vida durante uma purga de rivais de facção em sua antiga prisão. "Foi um dia terrível", disse ele sobre o massacre. "Havia corações e cabeças no chão... caras correndo com facas e facões. Foi um negócio realmente louco."

Questionado sobre seus sonhos, o venezuelano expressou o desejo de visitar São Paulo - não para fazer uma peregrinação ao local de nascimento do PCC, mas para ver uma vasta réplica do Primeiro Templo de Jerusalém construída por uma megachurch pentecostal.

"Se eu sobrevivi até agora, é por um motivo", disse ele, descrevendo três encontros com a morte. "Eu sou um milagre."

Fonte: The Guardian | Tradução: João Di Madeo

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