“A palavra é portal para os nossos mundos”: Artista originário, o cantor disponibilizará suas novas músicas em primeira mão para os Potiguara, seu povo
Juão Nyn encerra a Festa da Batata |
Na próxima quarta-feira (1), o ator e cantor Juão Nyn realiza o pré-lançamento de “NHE'ETIMBÓ”, seu novo álbum, gravado inteiramente em tupi, com o intuito de poder ser utilizado de forma pedagógica para reintroduzir a língua em territórios indígenas. A primeira apresentação das músicas acontece no encerramento da Festa da Batata da Aldeia Katu, localizada entre as cidades de Goianinha e Canguaretama (RN).
“Tô aprendendo a ler pra ensinar os meus camaradas”, parafraseando Yáya Massembá, canção interpretada por Maria Bethânia, Juão conta que a concepção de “NHE'ETIMBÓ” é resultado de uma grande jornada, que vai desde a busca do artista por suas raízes até a compreensão de que Nyn poderia auxiliar outros indígenas a fortalecerem suas identidades.
- Eu comecei a trabalhar com música em 2006, com rock underground, mas, desde essa época, eu já pensava em fazer um disco assim, só que eu não tinha conhecimento. Com o passar dos anos, eu fui lutando para ter acesso aos estudos da minha língua, poder saber mais do meu povo, estar em contato com os anciões e com o conhecimento. Ao longo desses 17 anos, eu criei estruturas que me permitiram chegar na criação desse álbum – conta o cantor.
Juão é natural do Rio Grande do Norte e pertence aos Potiguara, o primeiro povo originário a escrever a língua tupi no papel, nas cartas de Felipe Camarão para Pedro Poti, durante a Insurreição Pernambucana. Entretanto, a língua não é mais falada no dia a dia da comunidade do artista, de forma que muitos potiguaras, assim como Nyn, não foram alfabetizados em seu idioma materno e tiveram dificuldade para aprendê-lo.
- Saber é poder. A palavra é um portal para os nossos mundos. “Palavra” significa “alma” no tronco tupi. E muitas palavras nossas foram desalmadas pelo português. Nós estamos ao lado delas, mas não conseguimos enxergar o que elas significam. Existem dicionários e professores da USP tentando ensinar tupi, mas não aprendemos porque a metodologia branca não dá certo para gente. Nós temos que cantar e dançar nossas línguas, então, a ideia é que esse disco ajude a devolver a fala do tupi para o meu povo. É a forma que eu tenho de educar a minha própria família. Eu quero que eles vejam que há palavras que a gente fala no dia a dia, que foram aportuguesadas, mas vieram do tupi. Eu quero que esse álbum seja usado como material didático nas escolas indígenas bilíngues potiguaras. Que o disco possa ser usado como uma ferramenta pedagógica que permita o meu povo voltar ao tupi através da música – explica Juão
Para além da proposta de ser instrumento alfabetizador, “NHE'ETIMBÓ”, em suas dez canções, retoma histórias indígenas, demonstra o afeto do cantor pela sua família e pelo seu povo, além de saudar a espiritualidade de Nyn. “TIMBORA”, a música tema do disco, expressa a relação que o compositor enxerga entre os mundos físico e imaterial. Já “TAMUI PEBA” é uma homenagem para o pai, o avô potiguara e seus bisavôs de seu povo. As mulheres parentes do artista também receberam uma canção: “SY'I” é uma música de ninar, dedicada a mãe, tias e avós do artista.
Há quase duas décadas trabalhando com música, Juão faz parte da banda “Androyde Sem Par”, com quem já vinha introduzindo o tupi em seus trabalhos desde 2019. Nyn afirma: “existe um caminho até o meu álbum solo inteiramente em tupi, esse trabalho atual é resultado de uma pesquisa muito longa”.
Juão também é ator e produtor cultural. Apesar de norte Rio grandense, o multiartista mudou-se para São Paulo (SP) há nove anos, com a finalidade de angariar mais oportunidades no meio artístico. Nyn faz parte do Coletivo Estopô Balaio, com quem produziu, entre os dias 23 e 27 deste mês, a “Semana de Politização Indígena Urbanizada”. O evento, que mobilizou diversas lideranças indígenas, aconteceu na sede do coletivo, localizada na Zona Leste paulistana.
Créditos: Mylena Souza |
O autor de “NHE'ETIMBÓ” fez questão de que seu trabalho fosse apresentado primeiro ao seu povo, mas lançará o álbum completo, com uma introdução e nove canções, para o público geral em 2024 e tem grandes expectativas para este momento.
- A minha educação foi inteiramente colonial. Eu fui começar a estudar a minha língua depois de adulto. Há cinco anos, eu faço um estudo de tupi comparado. O tupi é um tronco linguístico com várias línguas que tem intersecções. Eu estudo, hoje em dia, a minha própria língua e quero expandi-la para que outras pessoas tenham acesso a ela, principalmente quem é do meu povo. Lá no Rio Grande do Norte já existem algumas escolas indígenas bilíngues que são reconhecidas pelo MEC, permitindo às crianças acesso às línguas originárias. Isso é resultado de muita luta de artistas e lideranças indígenas – desabafa, Nyn, esperançoso com o seu novo álbum.
Instagram oficial de Juão Nyn: https://www.instagram.com/
Sobre a Festa da Batata
A Festa da Batata é uma festa tradicional potiguara que acontece no Território Catu dos Eleotérios, em Canguaretama (RN), uma vez por ano. Ela celebra os mais de 20 tipos de batata que temos e a agricultura familiar, uma das formas de sustento da população indígena local.