Viver - Saúde

Pais e filhos: a infância está desaparecendo, diz psicóloga

25 de Julho de 2023

Psicóloga Dra. Joana d’Arc Sakai explica como a tecnologia e o mundo moderno precariza relações familiares

Foto: Divulgação

Em um mundo em constante mudança, o conceito de família e a vivência da infância têm sofrido impactos significativos, reflexo das transformações sociais, tecnológicas e culturais. Segundo a psicóloga Dra. Joana D'Arc Sakai, um dos aspectos mais alarmantes é o "crescente distanciamento emocional entre pais e filhos", resultante da correria do dia a dia, da busca por conforto e das relações superficiais impulsionadas pela tecnologia. Nessa ótica, as genuínas interações familiares estão dando lugar a conexões rasas e pouco afetivas.

Muitas mudanças ocorrem ao longo do tempo e, consequentemente, a família passou a enfrentar mais desafios, como o advento das ferramentas tecnológicas, o uso precoce e indiscriminado das redes sociais, o uso desmedido das telas, a má administração do tempo, a facilidade de acesso e consumo de drogas, o início precoce da vida sexual, a busca competitiva pelo melhor corpo, pelo aprendizado de línguas, pelas viagens mirabolantes/intercâmbios, pelo sucesso enfim. Os filhos passaram a ter “agenda de executivos”, haja vista o enorme número de compromissos”, descreve a especialista.

Essa lacuna entre pais e filhos pode ter consequências impactantes, como atrasos no desenvolvimento infantil e insegurança emocional. Como a Dra. Joana ressalta que a inversão de papéis também é notável. “Temos visto, pais lábeis, sem ações que norteiam a formação das crianças e dos jovens de modo efetivo. São pais que se mostram sob o julgo dos filhos, tornando-se dependentes de aprovação, quando deveria ser o contrário. Os filhos, seres humanos em formação, que dependem dos parâmetros do adulto, passaram a exigir dos pais que suas vontades sejam realizadas a qualquer custo e tempo. Os limites foram deixando de existir e os papéis se inverteram”, alerta.

Para entender como as mudanças sociais têm contribuído para essa realidade, a Dra. Joana destaca o abandono gradual do modelo patriarcal, com famílias mais democráticas e flexíveis. No entanto, a facilidade de acesso à tecnologia e o medo dos pais de não serem considerados "legais" levaram a um cenário em que as crianças são frequentemente recompensadas com dispositivos eletrônicos de última geração e outras formas de gratificação imediata.

O impacto disso tudo é nítido: as crianças estão imersas em uma realidade adulta muito cedo, levando uma vida superestimulada com pouquíssimo tempo para brincar e desenvolver suas habilidades cognitivas. Ao tornar-se cada vez mais ocupadas, elas perdem a oportunidade de experimentar uma infância genuína, repleta de brincadeiras e aprendizados adequados para essa fase de desenvolvimento.

O distanciamento do olho no olho, do toque, da troca significativa, do sentimento recíproco, da relação genuína entre pessoas. Tudo isso, leva a criança a ficar difusa no que precisa aprender, pois ela tem no adulto, o seu referencial, seu parâmetro para múltiplas aprendizagens, considerando que o adulto é espelho, cuja imagem é captada pela criança que reproduz em seus atos, esse espelhamento”, explica.

Diante disso, a infância vai desaparecendo. E isso se manifesta através de diversas questões: a pressão pelo consumo e a vivência de rotinas típicas do mundo adulto; a hiperestimulação que priva as crianças do tempo para brincar e pensar, tornando-as mentalmente superficiais; a erotização precoce, presente em apelos do ambiente infantil como músicas e programas de TV; o abandono das brincadeiras tradicionais de desenvolvimento; e a exposição precoce a conteúdos adultos através das telas, impactando o limite entre infância e vida adulta. Essas tendências têm privado as crianças da inocência e levado à adoção precoce de comportamentos e atitudes próprias do mundo adulto.

Dra. Joana D'Arc alerta para a necessidade de resgatar a infância, proporcionando às crianças tempo livre para brincar e crescer em um ambiente que estimule a criatividade e a formação moral. “Começamos dando à criança coisas, atividades de criança. Ou seja, criança precisa brincar, pois através da brincadeira, dos jogos, vai percebendo que no mundo há regras a seguir, instruções a serem cumpridas, limites a serem respeitados. Esse conjunto de situações levará a vivências de satisfação e de frustrações, como deve ser a vida”, sugere a especialista.

Essas experiências saudáveis são fundamentais para o desenvolvimento emocional e cognitivo dos pequenos, que, por sua vez, poderão se tornar adultos adaptados, equilibrados e com relações familiares mais fortalecidas. “Todas as fases precisam terminar bem. Infância, adolescência, jovem adulto, maturidade, 3ª idade, tudo a seu tempo, sem precocidade. Vamos ressignificar a infância, estimulando a brincadeira, ouvindo o seu clamor, o seu lugar de fala, a sua mensagem cifrada sobre as particularidades do seu mundo”, conclui a psicóloga.

Comentários
Assista ao vídeo