Por Felipe Carmona Cantera
Quando se pensa em livre mercado, nasce a seguinte indagação: qual o papel do Estado na atividade econômica?
Para o liberalismo econômico, quanto menos o estado intervir na atividade econômica, menos distorções serão geradas e, portanto, o sistema funcionará de forma mais eficiente.
Felipe Carmona, Secretário Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual da Secretaria Especial de Cultura | Foto: Divulgação |
O liberalismo econômico tem críticas bem estruturadas à intervenção estatal na economia. No entanto, as ideias da escola econômica não podem ser resumidas a apenas esse ponto.
Sendo assim, entre as principais ideias e medidas liberais, é possível listar:
A bem sabida e fundamentada insatisfação da iniciativa privada com a excessiva intervenção do Poder Público na criação e desenvolvimento de suas atividades sempre gerou considerável insegurança no particular, o qual, diante de entraves burocráticos e legais, se vê, não raro, prejudicado e desestimulado à prática do empreendedorismo.
Assim, foi criada a Medida Provisória 881, de 2019, convertida na Lei 13.874, sancionada em 20/9/19, com a finalidade de fomentar o crescimento, desenvolvimento e geração de emprego e renda com foco na iniciativa e prática liberal do empreendedorismo privado.
A Lei da Liberdade Econômica, nº 13.874/19 resgata o conceito liberal clássico de economia para propor relativo afastamento da intervenção estatal das relações privadas, flexibilizando normas de criação e manutenção da atividade empreendedora. Essa lei foi criada para trazer maior segurança jurídica à manutenção judicial da atividade privada, relativamente à implementação de nova sistemática de interpretação do maior instrumento de manifestação da autonomia privada: o contrato.
Felipe Carmona ao lado do presidente Jair Bolsonaro | Foto: Divulgação |
A interpretação ganha especial relevo quando a lei ou o contrato possuem omissões, imprecisões e até contradições que permitem o uso das fontes do direito (em especial, os princípios gerais de direito) para direcionar a solução de eventual conflito travado em razão dessa insuficiência ou ambiguidade. É nesse contexto que ocorre a intervenção do Poder Público na relação entre as partes, por meio do processo judicial, presidido pelo ente judicial, que é o agente público dotado de legitimidade para fazer o controle judicial da atividade econômica.
Podemos citar como exemplo, contrato de mútuo bancário, que tem sua taxa de juros remuneratórios estabelecida em patamar significativamente superior à taxa média de mercado, que é considerado abusivo, ou seja, configura excessiva onerosidade e, portanto, é passível revisão pelo Poder Judiciário. Observa-se, no caso, evidente conflito entre o princípio da autonomia privada, que traria a premissa de que o contrato deve ser cumprido porquanto firmado livremente entre partes capazes, e o princípio da função social do contrato, que, diante de excessiva onerosidade, concluiria pela abusividade e revisão da cláusula, visto que não há igualdade entre as partes e distribuição equilibrada de custos e benefícios.
Outro ponto que demonstra esse conflito de princípios no exemplo citado acima é a abertura deixada para o julgador mensurar o patamar significativamente superior à taxa média de mercado.
Essa é a posição de alguns tribunais, no sentido de que não seria cabível sequer a revisão da taxa de juros do contrato, visto que a parte que contratou o empréstimo concordou com suas cláusulas por livre e espontânea vontade.
Referida intervenção prejudica a atividade empresarial, exatamente porque se torna impossível a avaliação e previsão dos riscos de se ter revisado em Juízo eventual contrato inerente ao desenvolvimento da atividade empresarial, o que mereceu atenção do legislador na promulgação da lei 13.874/19.
Criando dispositivos interpretativos que prestigiam a independência, o senso de responsabilidade das partes e o cumprimento dos contratos, prevendo a revisão apenas de maneira excepcional e limitada, bem como estabelecendo a prevalência da intervenção mínima e subsidiária do Estado, mesmo as de ordem pública, sobre o exercício das atividades econômicas, a lei 13.874/19 representa exatamente um esforço para apresentar a resolução de dúvidas hermenêuticas de modo a prestigiar a autonomia da vontade.
Porém, ainda é cedo para dizer acerca do alcance e efetividade da lei 13.874/19 no âmbito do Poder Judiciário e seu impacto na economia. Trata-se, em realidade, de esforço do legislador para criar um costume de responsabilidade e independência, evidentemente, com o fim de permitir às partes máxima segurança jurídica nas relações negociais.
Felipe Carmona | Foto: Ascom/Secult |
Vale lembrar que o texto constitucional de 1988 autorizou o Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo e regulador, com a finalidade de exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado sempre com fiel observância aos princípios constitucionais da ordem econômica.
Assim, por todos esses fundamentos posso dizer que a intervenção estatal no livre mercado deve-se dar apenas e exclusivamente quando for demandado a se pronunciar pelo Estado Juiz em uma demanda judicial para o deslinde da questão.
Sobre o autor:
Felipe Carmona Cantera é Oficial Militar do Exército Brasileiro, cursou o Centro Preparatório de Oficiais da Reserva do Exército Brasileiro – CPOR/SP.
Possui onze anos de experiência como Advogado atuando na iniciativa privada em multinacionais e escritórios de advocacia. Na administração pública foi Assistente Especial Parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e, no Governo Federal, foi Diretor de Políticas Regulatórias, Diretor de Fiscalização e Secretário Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual da Secretaria Especial de Cultura.
Docente em processo constitucional na Rede de Ensino LFG para alunos que pretendiam prestar concursos públicos e exame da OAB.
Especialista em Contratos Administrativo, Licitação pela FGV - Fundação Getúlio Vargas.