Por Erika Mello
A advogada Erika Mello faz uma análise sobre as novas medidas drásticas de endurecimento da quarentena e explica as alternativas de empregadores e empregados desafiados por estas medidas.
Érika Mello é advogada do escritório Pires & Gonçalves – Advogados Associados, liderando a prática de Governança, Riscos e Compliance Trabalhista |
A legislação emergencial que trouxe alternativas de flexibilização às relações de trabalho durante o pico da doença que vivemos em 2020 não está mais disponível. A instabilidade nas atividades empresariais tem sido um fator de alto impacto, pois com alterações frequentes nas restrições impostas pela quarentena, o empresariado, especialmente aquele que atua com atividades presenciais de trabalhadores e clientes, não consegue estabelecer um fluxo contínuo de funcionamento, tendo que mudar de rota de um dia para o outro, o que influencia também na vida dos empregados e seus direitos trabalhistas.
Algumas localidades determinaram o bloqueio total (lockdown) durante dia e noite por período determinado, como foi o caso de Araraquara, no interior de SP, aonde cidadãos e veículos estão proibidos de circular pelas ruas, exceto em casos de emergência, desde o dia 19 de fevereiro.
Outras localidades estabeleceram o lockdown noturno, como é o caso de Uberlândia (MG) que instituiu em 23 de fevereiro um toque de recolher das 20h às 5h, proibindo a circulação de pessoas e veículos nas vias públicas e também a venda de bebidas alcoólicas, mesmo de forma remota.
O Governo do Rio Grande do Sul também identificou a necessidade de restrição em virtude da classificação de “bandeira preta” e publicou quatro decretos com medidas mais rígidas como a suspensão de atividades entre 20h e 5h e a proibição de aulas presenciais para a maioria dos estudantes que não estejam no ensino infantil e 1º e 2º ano do ensino fundamental, sendo que apenas serviços essenciais, como supermercados e farmácias, podem funcionar.
Hoje, 24 de fevereiro, o Governo do estado de SP, potência econômica do país, após o registro do maior número de pacientes com Covid-19 internados em UTI desde o início da pandemia, determinou restrição de circulação de pessoas das 23h às 5h, de 26 de fevereiro a 14 de março. Segundo o Governador, não se trata de lockdown, mas de um “toque de restrição”. Além disso, a depender dos índices de avanço do contágio e de ocupação dos leitos de UTI nos próximos dias, as medidas podem se tornar ainda mais restritas.
Com as restrições de funcionamento, muitos empregados não terão trabalho nos próximos dias ou não poderão prestar serviços nos horários que costumavam realizar sua jornada, o que vai requerer medidas de adaptação, inclusive diante da provável queda de receita dos empregadores que não poderão exercer as atividades empresariais.
Algumas categorias, como é o caso dos bares e restaurantes, dispõem de medidas de flexibilização de redução de jornada e salário, bem como suspensão de contratos de trabalho, já instituídas e prorrogadas pelos Sindicatos, o que pode ser uma ótima saída para as empresas do setor manterem a sua força de trabalho provisoriamente em condições diferenciadas.
Nada impede, também, que as empresas procurem o sindicato representativo da categoria para estabelecer acordos coletivos que observem as suas condições específicas e se apliquem exclusivamente a ela e seus empregados com o aval da entidade representativa. Esses acordos coletivos, como determinado na Reforma Trabalhista (art 611-A da CLT), inclusive prevalecem sobre a lei, desde que observem os limites da Constituição Federal.
Outra alternativa é a empresa utilizar o banco de horas para computar as horas não trabalhadas do empregado durante a restrição de atividades, podendo compensar em dias de trabalho futuros. O cuidado nesse cenário é que o empregado não pode sofrer desconto dos dias/horas não trabalhados que forem incluídos no banco de horas agora, ou seja, haverá o pagamento normal da remuneração e no futuro, quando as horas forem compensadas não haverá pagamento dessas horas como extras.
Ponto importante nesse cenário também diz respeito à necessidade dos empregados, enquanto indivíduos, obedecerem às medidas restritivas também em sua vida social, preservando sua saúde e colaborando com a contenção da disseminação do Covid-19 na sociedade e no ambiente empresarial quando do retorno para suas atividades.
Além disso, é importante alertarmos que é obrigação do empregado cumprir as determinações da empresa sobre as medidas de prevenção ao Covid-19 no ambiente de trabalho, sendo que o descumprimento pode gerar a aplicação de medidas disciplinares como advertência, suspensão ou até mesmo a rescisão do contrato de trabalho por justa causa nas situações mais graves.
Por fim, é importante lembrarmos que no limite, se o empregador tiver que dispensar funcionários, é imprescindível que haja humanização na forma de tratamento, bem como que a apuração e pagamento das verbas rescisórias observem a legislação vigente, especialmente nos casos em que foram implementadas as medidas de flexibilização disponíveis em 2020 gerando garantia de emprego ao trabalhador, sendo que flexibilizações nesses itens são sensíveis, devem ter análise cautelosa e na maioria dos casos devem ser adotadas mediante acordo coletivo com o sindicato representativo da categoria dos trabalhadores.
A conclusão é que seguimos dia após dia desafiados a encontrar alternativas para a sobrevivência dos negócios, do mercado, da economia, dos postos de trabalho, da renda, da saúde e da sociedade e, por óbvio, cada medida individual ou coletiva implementada tende a surtir efeitos em todos ou quase todos esses itens, daí a necessidade de reforçarmos a boa-fé nas relações, a importância do interesse coletivo e a profunda análise de riscos e suas consequências.