(*) Por Ailane Araújo
Pais estressados no equilíbrio da rotina que envolve a casa, o trabalho e os filhos. Filhos estressados em uma rotina que proíbe o contato físico com o exterior.
A cena descrita tem sido lugar comum e merecedora de amplo debate desde o último 11 de março, quando a COVID-19 foi anunciada pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), levando todos para dentro de suas casas, em situação de isolamento social.
De lá pra cá são inúmeras as pesquisas mostrando a ampliação do número de adultos e de adolescentes tratados em hospitais, centros de referência e clínicas, privados ou públicos, em consultas presenciais ou online e até, nos casos mais graves, intervenções provocadas pelo esgotamento emocional de milhares de famílias em todo o País.
É fato: a fatura da ansiedade chegou. E, ao lado dela, uma polêmica que já dura mais de cinco mil anos: por que a sociedade tem tanta resistência em aceitar o tratamento com cannabis medicinal, especificamente o canabidiol (CBD), nos casos de ansiedade, mesmo com diversos estudos mostrando sua eficácia?
A resposta é simples e se divide em dois grandes pilares.
Primeiro, graças preconceito gerado pela falta de conhecimento. Utilizada há mais de 5.000 anos, para fins medicinais e com relatos de excelentes resultados, o não entendimento dos compostos, bem como sua interação e efeitos no nosso sistema, levou ao preconceito e à perseguição que existem até hoje e culminam na confusão entre os usos medicinal e recreativo.
Segundo e igualmente importante, a falta de interesse do capitalismo. A cannabis é uma planta que cresce muito rapidamente, com gastos pequenos e retorno de recursos que somam mais de 30 mil produtos, entre os quais estão biocombustível, concreto, fibras, alimento, além do uso na indústria farmacêutica.
Mas voltemos para a ansiedade.
A ansiedade já é considerada o mal do século, com números que superam os da depressão que, até então, ocupava este nada honroso posto. Segundo a OMS, cerca de 33% da população sofre com a ansiedade. E, de acordo com o Instituto de Pesquisa e Orientação da Mente (IPOM), o Brasil já é o país com a maior taxa de pessoas com ansiedade do mundo - 9,3% milhões dos brasileiros.
Um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio (UERJ) revelou que casos de ansiedade e estresse dobraram, e a depressão teve um crescimento de 90% durante a pandemia. Ao mesmo tempo, estamos acompanhando o crescimento dos transtornos mentais após a pandemia, números que devem continuar crescendo e levando ao aumento exponencial nas vendas de medicamentos das classes dos ansiolíticos, hipnóticos, estabilizadores de humor ou antidepressivos, que aumentaram em alguns casos até 80%.
A ansiedade se dá devido a uma reação natural do organismo diante de estímulos estressantes que podem provocar medo, dúvidas ou expectativas. Ela é benéfica até certo ponto, se tornando um problema quando esse mecanismo é ativado o tempo todo por perigos "imaginários", provocando respostas biológicas automáticas e passando a interferir nas atividades do dia-a-dia, podendo, inclusive, gerar um ataque de pânico.
O excesso de projeção e preocupação com as expectativas apreensivas do futuro faz com que a pessoa deixe de viver o presente para viver a ideia do que pode acontecer e que quase nunca acontece. A falta de controle sobre que vai acontecer, somada à falta da presença do indivíduo no momento presente, liga todo o sistema de resposta do corpo, que passa a entrar em estado de alerta constante gerando, assim, o transtorno de ansiedade que pode desencadear várias outras patologias como transtorno do pânico, fobia social, transtorno do estresse pós-traumático e transtorno obsessivo compulsivo (TOC), levando ao comprometimento da qualidade de vida da pessoa - em alguns casos, depressão, pensamentos ou até comportamentos suicidas.
De modo geral, a ansiedade impacta no humor (angústia constante, preocupação excessiva, desespero, medo irracional e insegurança); nos pensamentos (falta de concentração e preocupação exagerada em relação à realidade); no sono (irritabilidade e insônia); no corpo (tensão muscular, tremores, dores de cabeça e estômago, náuseas, falta de ar, dores abdominais que levam à diarreia) e no comportamento (medo constante e sensação de algo ruim vai acontecer).
Agora, voltemos ao canabidiol (CBD), que é um fitocanabinoide extremamente seguro e sem propriedades intoxicantes. Pelo contrário, ele possui propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, antioxidantes, ansiolíticas, antidepressivas, anticonvulsivante e é um neuroprotetor. Como impacto imediato, sua utilização mostra resultados efetivos no alívio da dor, no aumento e modulação de serotonina, dopamina e outros neurotransmissores, sendo um potente ansiolítico e reduzindo os sintomas da ansiedade. Suas propriedades ajudam na indução e no tempo de sono, favorecendo a um sono profundo e reparador, além de promover a saúde cardiovascular. Ou seja, ele atua na causa, tratando não apenas o sintoma, mas a parte metabólica dos pacientes.
Claro, o acompanhamento médico é imprescindível. E é muito importante associar o tratamento à terapia cognitiva corporal e técnicas voltadas à mudança do estilo de vida e conscientização por meio do autoconhecimento, meditação, mindfullness, yoga, relaxamento, hipnose, respiração e afirmações positivas.
Por tudo isso, podemos afirmar que é preciso romper a barreira da desinformação e do preconceito. Afinal, o fato é: o canabidiol é uma alternativa poderosa - e disponível no Brasil - no tratamento da ansiedade, capaz de transformar sentimento, pensamento, comportamento e, mais importante, ampliar a qualidade de vida das pessoas.
(*) Ailane Araújo é médica, pesquisadora, uma das primeiras prescritoras de cannabis medicinal no Brasil, atua na área da Medicina Integrativa e Cannabis Medicinal (EUA - 2016). Com certificação internacional pelo Medical Marijuana Inc, (EUA) e é membro da International Cannabinoid Research Society e fundadora do Centro Brasileiro de Referência em Medicina Canabinóide (CBRMC), primeiro do Brasil, localizado em São Paulo