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O velho normal

27 de Outubro de 2020

Rodrigo T. Lamonato *

A “paleteria mexicana” da estação é o “novo normal”. Especialistas em todas as áreas escrevem páginas e mais páginas, ou posts e mais posts, sobre. Mudanças de comportamento que certamente virão para ficar afetarão a todos em todos os cantos. Mas, e no Direito, será que há algo “novo” ou quem dirá “normal”?

A escravidão foi abolida contam-se 132 primaveras. Ao menos no papel. Não deixávamos de trombar com notícias de que o finado Ministério do Trabalho havia descoberto trabalhadores vivendo em regimes análogos ao da escravidão. Trombávamos pois o Ministério em questão  foi extinto e desde 2017, enfrenta cortes na verba para combate ao trabalho escravo.

No front da população negra, são clamorosos os casos de discriminação, violência policial e até a recente prolação de sentença criminal trazendo a raça de um acusado nas razões de decidir sobre ele. Há autores que sustentam vivermos numa democracia racial, mas este delírio parece longe da realidade.

Em meio à pandemia, soubemos da intenção de “passar uma boiada” e alterar regras ambientais, enquanto a cobertura midiática não “presta atenção”. A intenção, seria racionalizar um emaranhado de normas que afugentam investimentos. Lindo, não estivéssemos emplacando recordes em desmatamento. Desde 1988, a Constituição reza que a Ordem Econômica lá regulada terá, ou teria como Norte a defesa do meio ambiente. Mas quem liga?

A mesma Carta de 1988 afirmou, 32 anos atrás, que ninguém seria submetido a tortura ou tratamento desumano. Mas a disseminação dos smartphones tornou comum o registro de flagrantes de violência policial em todos os cantos. E o sadismo estatal conta com uma mal-disfarçada simpatia dos comandantes-em-chefe.

Com direito ao voto desde 1932, ainda são aterradores os números de violência contra a mulher e o feminicídio. Quando têm o direito de viver, são vítimas de toda a sorte de opressões, menores oportunidades de trabalho, ascensão profissional e salários. Os índices de mortes violentas contra mulheres, a maioria dentro de suas residências, demonstram  nossa distância para a civilização. Mas tudo pode piorar. Sob o “novo normal” da pandemia, os casos de violência saltaram outros 22%.

É cedo para falarmos em “novo” quando o “velho” é novidade. O cotidiano brasileiro é coalhado de direitos para alguns, e obrigações para todo o resto. O sistema jurídico como um todo pode não haver se atentado, mas por aqui, antes de falar em “novo”, talvez fosse o caso de primeiro buscarmos alcançar o “velho normal”. Do contrário, o arrivismo nos levará a abolir direitos e garantias jamais alcançadas. Por não haver se disseminado, o “velho normal”, de normal nada teve.

* Rodrigo T. Lamonato é Advogado, Gerente Jurídico, Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela PUC/SP, com extensão em Contratos pela FGV/SP e Compliance pelo INSPER. 

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