Muito se falou na última semana sobre o triste caso da criança de 10 anos, vítima de violência sexual cometida pelo tio, que submeteu-se a aborto sentimental - aquele permitido quando a gravidez decorre de estupro.
As gestantes vítimas de estupro que quiserem interromper a gravidez têm o direito de fazer a cirurgia pelo SUS, independente de apresentar registro de ocorrência policial. Vale mencionar de decisão da 6ª Turma Especializada do TRF2 que declarou nulo o decreto do município do Rio de Janeiro que estabelece a exigência de registro.
Entretanto, o que essa criança enfrentou, essa dificuldade para realizar o procedimento no país, é reflexo da falta de uma lei que regularize o aborto nas situações autorizadas pelo Código Penal.
Veja bem, não existe aborto legal em nosso País, o que nosso Código Penal é a não criminalização em casos específicos:
Aborto sentimental, quando a gravidez decorre de estupro;
Aborto necessário, quando há risco de vida para a gestante.
Segue o dispositivo legal:
"Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal."
O Ministério da Saúde, em 2005, editou a Portaria 1.145, de 7 de julho, deixando claro não haver necessidade de lavratura do Boletim de Ocorrência, mas estabeleceu a obrigatoriedade de adoção do "procedimento de justificação e autorização de interrupção da gravidez". Referido procedimento compõe-se de quatro fases (art. 2.º), sendo a primeira o "relato circunstanciado do evento criminoso, realizado pela própria mulher, perante dois profissionais de saúde" (art. 3.º, caput). Em seguida, o médico emitirá um parecer técnico e a mulher receberá atenção de equipe multidisciplinar, cujas opiniões serão anotadas em documento escrito (art. 4.º). Se todos estiverem de acordo, lavrar-se-á termo de aprovação do procedimento (art. 5.º). Depois, a mulher ou seu representante legal firmará termo de responsabilidade. Por fim, realiza-se o termo de consentimento livre e esclarecido (art. 6.º).
O caso da criança do Espirito Santo trouxe ainda o posicionamento radical de pessoas formadoras de opinião, que divulgaram o hospital onde se daria o procedimento, expondo a vítima do estupro a mais um sofrimento moral.
A gravidez da menina foi revelada no dia 7 de agosto, quando a menina foi ao hospital em São Mateus se queixando de dores abdominais. A menina relatou que começou a ser estuprada pelo próprio tio desde que tinha 6 anos e que não o denunciou porque era ameaçada.
O autor dos crimes, em continuidade delitiva, foi preso e indiciado por estupro de vulnerável e ameaça, ele já cumpriu pena por tráfico de drogas entre 2011 e 2018, sendo que em março de 2017 houve progressão para o regime semiaberto.
A criança chegou a ser internada em Hospital em Vitória, mas a equipe médica do Programa de Atendimento as Vítimas de Violência Sexual se recusaram a realizar o procedimento no sábado, razão da viagem para Pernambuco.
A decisão da equipe do hospital foi "estritamente técnica", porque o programa do hospital para este tipo de casos segue um protocolo do Ministério da Saúde de aborto até 22 semanas e 500 gramas. O feto, neste caso, tinha 22 semanas e 4 dias e 537 gramas.
Por isso, o hospital não tinha capacidade técnica para fazer o procedimento necessário. E então, a Secretaria do Estado da Saúde procurou um hospital que atendesse um protocolo para esse tipo de caso.
A criança e a mãe não podem voltar para casa, e deverão receber atendimento necessário para obtenção de medida protetiva, já que sofrem ameaças de grupos contrários ao aborto.
Essa criança de 10 anos é a vítima, e merece a chance de recomeçar.