Equipamento, o único produzido 100% no Brasil e aprovado pela Anvisa, está sendo utilizado em mais de 100 pacientes no país e os resultados são sólidos. Em São Paulo, um paciente internado por 39 dias apresentou melhora do quadro após usar o aparelho e com o tratamento finalizado, ficou por mais cinco dias no hospital e recebeu alta médica. Mais de 12 hospitais no Brasil já dispõem do uso da tecnologia. O aparelho ajuda a reduzir a inflamação pulmonar, melhora a oxigenação, previne a intubação e evita a ventilação mecânica invasiva.
Um dispositivo com ares de ficção científica se tornou um grande auxiliar na recuperação de centenas de pacientes internados com sintomas graves da Covid-19 em todo o Brasil. Batizado de Bolha de Respiração Individual Controlada (BRIC), o instrumento é uma bolha impermeável e transparente, individual, descartável, com conexões respiratórias, e que serve de interface entre o paciente e o ventilador mecânico. O equipamento já vinha sendo utilizado na Europa e nos Estados Unidos, e agora passou a ser desenvolvido e produzido em solo nacional pela empresa de tecnologia Roboris e lançado sob a marca LifeTech Engenharia. A BRIC é atualmente o único capacete nacional com aprovação Anvisa e já foram comercializadas 269 unidades para hospitais brasileiros, que estão sendo utilizado em mais de 100 pacientes internados e apresentando bons resultados.
O uso da BRIC pode reduzir a inflamação pulmonar, melhorando a oxigenação e o esforço do paciente, prevenindo a intubação e evitando a ventilação mecânica invasiva com alto risco. Além disso, por ser um dispositivo estanque (vedado), diminui drasticamente as chances de contaminação dos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à doença. “Há muito tempo estávamos buscando implementar esta tecnologia em nosso país. A aceleração da manufatura deste dispositivo em resposta à pandemia poderá trazer um grande benefício de longo prazo para as UTIs brasileiras. Ponto para o Brasil e para a indústria nacional”, afirma o médico pneumologista Marcelo Amato, professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).
O pneumologista, que também é supervisor científico da UTI Respiratória do Instituto do Coração de São Paulo (Incor), testou o uso do capacete em três pacientes que, por conta da covid-19, apresentavam fibrose pulmonar em estado avançado. Ou seja, quando o tecido pulmonar é danificado pela infecção no pulmão, causando desconforto na respiração. Ele garante que foi possível reverter o quadro clínico desses pacientes com a utilização da BRIC. “O uso do capacete nesta condição pode contribuir para remodelar a fibrose pulmonar que ainda não é definitiva, diminuindo o estresse mecânico sobre o pulmão, reduzindo a inflamação, e permitindo uma maior reabsorção de colágeno. Reduzimos assim a fibrose e nenhum paciente precisou ser intubado, eles voltaram a ficar independentes, sem uso de oxigênio suplementar”, salienta.
A utilização da BRIC foi estendida a pacientes internados com quadros graves de covid-19 em hospitais de diversas localidades brasileiras. Mais de 100 pacientes já receberam o tratamento, aplicado em 10 hospitais diferentes nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo e Piauí.
Distribuição garantida a hospitais
De acordo com o CEO da Roboris, o engenheiro Guilherme Thiago de Souza, a fase de testes compulsórios (quando os pacientes assinam um documento dando ciência de que o teste do equipamento é feito por vontade e responsabilidade deles) se encerrou com sucesso. “O capacete recebeu aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que o torna oficialmente um equipamento médico para uso em tratamentos, disponível para a aplicação em medicina de caráter irrestrito, podendo ser comercializado de forma legal”.
Assim, nos próximos dias, receberão unidades da BRIC, hospitais em Maceió (AL); hospitais públicos regionais de Itanhaém, Caraguatatuba e Registro (litoral de SP); São José dos Campos (interior de SP); em São Paulo; em Ponte Nova (MG) e em Mogi das Cruzes (SP). Além do Brasil, os executivos da Roboris e da LifeTech já se preparam para atender a demandas de hospitais no Chile.
“Com a liberação da Anvisa, a LifeTech agora atua com um parceiro que já é fabricante de equipamentos hospitalares, para que a fabricação da BRIC, assim como todo o processo de distribuição, ocorra em acordo com a regulamentação do órgão”, explica o CEO da Roboris. “Com isso, reforçamos o posicionamento profissional da LifeTech, de forma a trazer ao mercado de produtos hospitalares um equipamento profissional efetivo no combate à pandemia desenvolvido, fabricado e homologado em tempo recorde no país”.
A taxa de mortalidade para pacientes intubados com Covid-19 é de 70% a 86%. Estudos da Universidade de Chicago sobre a tecnologia de ventilação baseada em capacetes demonstram que, com a utilização da BRIC, de 20% a 35% de pacientes com Covid-19 não necessitaram de intubação. Os estudos também revelam que o uso do capacete evita a intubação em 54% de pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS).
“A BRIC se torna uma aliada no combate à COVID-19, e também pode ser utilizada no tratamento de outras doenças respiratórias como influenza (H1N1), gripe aviária, gripe suína, SARS, etc.”, afirma Guilherme Thiago de Souza da Roboris, ressaltando que a solução veio para ficar.
Alívio e esperança na recuperação
O médico Artur Raoul, 55 anos, cirurgião cardiovascular no Hospital Vila Nova Star da Rede D`Or São Luiz, ficou hospitalizado por 39 dias após ter contraído a covid-19. Ao longo desse período, seu quadro de saúde se agravava a cada dia, com baixos índices de oxigênio e aumento dos danos pulmonares. Foi quando o pneumologista Marcelo Amato decidiu realizar uma avaliação respiratória em Artur e conversou com o infectologista responsável e equipe sobre a conduta médica a adotar nesse caso. Ele então optou por testar a BRIC em Artur. Seu quadro apresentou melhora muito rapidamente e após cinco dias de uso do dispositivo e com o tratamento finalizado, ele ficou por mais cinco dias no hospital e recebeu alta médica.
Após a alta hospitalar e se recuperando em casa, o cirurgião cardiovascular Artur Raoul se lembra do momento em que o pneumologista tomou a decisão que salvaria a sua vida. “Ele (Amato) me falou sobre a possibilidade do uso da BRIC”, comenta o cirurgião, que assinou um termo de consentimento para utilizar o equipamento. “Como médico, eu já sabia algo sobre o uso do helmet (“capacete” em inglês) na Itália. No hospital, sabiam da existência do dispositivo, mas não usavam. E foi a cereja do bolo: após cinco dias de tratamento com a BRIC, tive uma melhora significativa”, enfatiza.
O sucesso do tratamento do paciente se deu pelo uso de uma nova técnica, desenvolvida pelo pneumologista Marcelo Amato. Ela consiste na utilização de um cateter de alto fluxo acoplado à BRIC, que permite manter uma Pressão Positiva Expiratória Final (PEEP). Ou seja, a técnica permite que o capacete exerça uma pressão positiva controlada dentro dos alvéolos pulmonares ao final da expiração, com o objetivo de reduzir o esforço respiratório do paciente.
“A técnica faz uso de dois mecanismos para aumentar o grau de proteção pulmonar. O primeiro é o cateter nasal de alto fluxo, que injeta um fluxo constante de ar umidificado a 100% e aquecido a 37°, em vias aéreas superiores (através das narinas), que resulta na lavagem do espaço morto do pulmão e remove as moléculas de gás carbônico a cada expiração”, explica o pneumologista. “Assim, o paciente consegue oxigenar e eliminar o gás carbônico do sangue com um volume corrente menor, gerando alívio da sensação de dispneia e diminuição do trabalho dos músculos inspiratórios. O segundo mecanismo se processa quando conectamos o capacete a um ventilador mecânico, no modo CPAP (“Continuous Positive Airway Pressure” ou, em português, Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas). Isso é capaz de prover a PEEP sem muito incômodo, resultando numa pressão constante em vias aéreas superiores, chegando até os alvéolos e, assim, o paciente consegue respirar melhor, com menos força, e sente menos falta de ar. Isso (o dispositivo) era tudo o que precisávamos para estabilizar o paciente”, afirma o médico.
Em casa, aliviado e esperançoso, Raoul já não precisa mais do auxílio de cilindros de oxigênio. Ele faz caminhadas no condomínio em que reside, realiza medições periódicas da saturação de oxigênio, além de seguir o tratamento com uso de medicamentos. “Ainda sinto um pouco de falta de ar, mas perto do que era, estou bem melhor. De acordo com as expectativas médicas, vai demorar seis meses para me recuperar totalmente”.
O engenheiro Guilherme Thiago de Souza comemora os efeitos da combinação de elementos para o êxito do método utilizado. “Em conjunto com outros protocolos de tratamento da Covid-19 para uma melhora inédita do quadro clínico do paciente, a técnica trouxe resultados bem expressivos. A recompensa é a gratidão de constatar que o projeto realmente salva vidas e justifica todo o esforço, investimento e energia aplicados”, conclui o CEO da Roboris.