Ferramenta também contará com supervisão e grupo de apoio para os terapeutas voluntários
Conectar profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao COVID-19 a psicólogas(os) voluntárias(os) dispostas(os) a atendê-los gratuitamente. Esse é o objetivo da Rede de Apoio Psicológico [https://www.
A iniciativa nasceu a partir da vivência das(os) próprias(os) psicólogas(os) que começaram a receber em seus consultórios relatos de angústia e medo de trabalhadores da saúde. No entanto, já existem estudos para embasar a necessidade de apoio para a categoria.
Uma pesquisa da Escola de Medicina de Zhejiang, na China, mostrou que uma quantidade considerável de profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate ao Coronavírus relatou ter sintomas de depressão, ansiedade, insônia e estresse - especialmente entre as mulheres que são maioria nos cargos de enfermagem.
Segundo o estudo, esses profissionais têm uma probabilidade até 95% maior de desenvolver depressão e podem precisar de suporte e intervenções psicológicas. “Numa situação de crise, o sujeito perde as balizas do cotidiano dele. Do que ele acredita. E num atendimento pontual, a gente pode tentar recuperar algumas delas. E isso ajuda ele a se movimentar no meio caótico em que está trabalhando” explica a psicóloga Camila Munhoz, membro do grupo Faces do traumático do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. “É como se a pessoa tivesse que recuperar algo de si muito fundamental para poder continuar. E é isso que uma escuta pontual se propõe a fazer”, completa Camila que também é uma das idealizadoras da plataforma.
Mais de 3 800 psicólogos já se inscreveram e mais de 400 conexões foram realizadas na primeira semana de testes. “Nossa expectativa é que a ferramenta chegue nos quatro cantos do país e apoie o maior número possível de agentes da saúde”, avisa Marina Bragante, psicóloga e chefe de gabinete da deputada estadual Marina Helou (REDE-SP), cujo mandato apoia a iniciativa.
A parlamentar inclusive acredita que essa iniciativa tem um grande potencial. “Profissionais da saúde estão entre nossos grandes heróis na linha de frente. E estamos falando apenas dos médicos, mas também dos enfermeiros, dos recepcionistas e profissionais de limpeza do hospital e de todas as pessoas envolvidas para que o sistema continue funcionando”, explica Marina. Para ela, oferecer apoio a eles é tão importante quanto os cuidados que eles oferecem.
A gestora cultural e terapeuta social, Evelyn Gomes, chama a atenção para a importância de iniciativas que articulem políticos e sociedade civil. “Plataformas que consigam unir voluntariado a entidades com poder de tomada de decisão são uma ferramenta poderosa que devemos estimular em momentos de crise como o atual”, argumenta. Evelyn é uma das idealizadoras do CuidaMe, uma plataforma que conecta profissionais que cuidam de saúde mental a políticos e seus gabinetes, e faz parte do time de voluntários que colocou a Rede de Apoio Psicológico de pé.
A ferramenta também contou com o apoio da equipe do Mapa do Acolhimento, uma rede de solidariedade que conecta mulheres que sofreram violência baseada no gênero com psicólogas e advogadas voluntárias, idealizada pelo Nossas. Para Ana El Kadri, articuladora do Mapa, a formação de redes de solidariedade a partir do voluntariado tem sido uma maneira de unir pessoas com um objetivo social comum. “O Mapa do Acolhimento é baseado nisso e tem demonstrado ter grande impacto na vida das mulheres, desde 2016. Por isso, sabemos da importância deste tipo de suporte para pessoas que estão em vulnerabilidade e, neste momento de crise, achamos fundamental apoiar uma iniciativa como essas", defende Ana.
Mas o que aflige os agentes da saúde?
Segundo os psicólogos, as angústias e preocupações dos agentes de saúde são singulares. “Apesar de toda sociedade estar passando por dificuldades semelhantes, tais profissionais passam por conflitos pessoais e éticos de modo acentuado. Poder escutá-los em suas angústias tão legítimas, pode fazer com que se sintam amparados”, alerta Jonas Boni, psicanalista e doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo.
A psicóloga Evelyse Stefoni de Freitas Clausse, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e uma das idealizadoras, complementa: “Além de vivenciarem toda mudança social que está em curso, o medo do contágio e a angústia de serem vetores do vírus, emocionalmente experimentam uma posição de grande desamparo”.
Segundo ela, enquanto alguns podem (e devem) ficar em casa, eles precisam ir trabalhar. “Muitas vezes sem contar com uma rede de apoio pessoal e tendo que tomar decisões cotidianas que se tornam difíceis, como com quem deixar os filhos ou quem cuidará dos pais desses profissionais. Além de pensarem no quanto precisarão eventualmente fazer escolhas difíceis em relação aos próprios pacientes e o quanto isso trará de sofrimento para eles. Há uma clara oscilação entre o heroísmo e a impotência”, diz a psicanalista.
No entanto, o recado principal deveria ser de que tudo vai passar, segundo os especialistas. “Os profissionais da saúde, assim como todos nós, devem ter em mente que isso vai passar. Que por pior que esteja sendo o momento vivido, ele passa. Não sem deixar marcas, não passaremos impunes a essa pandemia. Momentos traumáticos congelam o tempo, precisamos resgatar essa dimensão, haverá um amanhã”, desvenda Camila.
O diferencial da plataforma
Seguindo a mesma lógica de cuidar de quem cuida com respeito e sigilo profissional, a Rede de Apoio Psicológico também vai oferecer uma rede de dispositivos de suporte para os psicólogos voluntários. Luciana Lafraia, psicanalista, mestre em Psicologia Clínica pela USP e doutoranda da Université Bourgogne-Franche-Comté, explica que essa rede contará, inicialmente, com grupos de apoio que visam “proporcionar um continente onde os psicólogos possam processar em grupo as repercussões e impactos dos atendimentos em si mesmos”.
Os encontros, cujos horários são enviados por e-mail aos voluntários cadastrados, são coordenados por psicólogos com experiência em trabalho com grupos e visam propiciar tratamento grupal à experiência dos terapeutas nos atendimentos, ao mesmo tempo em que permitem escutar e conhecer melhor suas demandas quanto ao suporte. Luciana conta que pretende-se, a partir dessa escuta inicial e do contato com outros grupos e associações de profissionais, organizar a ampliação das modalidades de apoio oferecidas, possivelmente com supervisões grupais, individuais e discussões clínicas com abordagens diversas.
Os psicólogos da plataforma contam também com os apoios da psiquiatra Gabriela Viegas Stump, do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP, coordenadora da psiquiatria da infância e adolescência do núcleo de especialidades pediátricas e coordenadora científica da pós de saúde mental do Hospital Sírio Libanês, e da infectologista Ângela Carvalho Freitas, do HCFMUSP.
A plataforma já está funcionando e disponível para o Brasil todo. Os profissionais da saúde que desejarem apoio qualificado podem se inscrever por meio do site https://www.