As malas já estão prontas. O táxi acaba de chegar, a caminho do aeroporto. O voo está marcado para daqui a uma hora. O destino é São Paulo e a viagem deve durar em torno de 40 minutos. A maioria das pessoas está acostumada com esse tipo de deslocamento e o tem como rotina quase que semanal, mas uma parcela da população basta lembrar da aeronave alçando voo que já começa a suar, sentir o coração acelerar e até mesmo perder o sentido. No mundo real, passar por tudo isso seria muito perigoso. No entanto, em um espaço seguro, controlado, com o acompanhamento de um profissional ao lado e sem riscos físicos, quem sofre de transtornos da ansiedade, como as fobias, pode se beneficiar, e muito, de uma experiência desenvolvida inicialmente para o entretenimento: a realidade virtual (RV).
A primeira utilização da tecnologia para esses fins foi em 1997, quando pesquisadores do Instituto de Tecnologia do estado da Geórgia, nos Estados Unidos, realizaram um estudo com 10 veteranos de guerra traumatizados que não haviam sido beneficiados pelas terapias convencionais. O programa, chamado Vietnã Virtual, expunha os ex-soldados a situações realistas que eles haviam vivenciado décadas antes, na guerra contra o país asiático. Com o headset de RV na cabeça, eles voltavam às selvas vietnamitas ou à cabine de um Huey, o célebre helicóptero dos marines utilizado nesse conflito. Enquanto o terapeuta manipulava o software, intensificando, por exemplo, os sons de batalha, os pacientes narravam seus traumas. Para quem nunca passou por essa experiência real, a sensação é de estar em um jogo, mas, para eles, ia muito além do virtual. O tratamento durou um mês, ao fim do qual os 10 voluntários demonstraram melhora no quadro. A partir daí, foram iniciados mais testes, com número maior de participantes, tratados nos mais diversos cenários, simulando situações distintas.
Pioneira no tratamento de fobias com RV no Rio de Janeiro, a psicóloga Marihá Lopes utiliza a tecnologia há um ano e meio com os seus pacientes, tanto em seu consultório, localizado no bairro da Tijuca, como em outros estados. Ela destaca a importância da ferramenta, mas ressalta que o seu papel é complementar e precisa ser feito com acompanhamento adequado.
O trabalho feito com a realidade virtual amplia a atuação da técnica chamada dessensibilização sistemática. Esta possui o propósito de criar uma hierarquia de exposição junto com o cliente e ir avançando conforme for havendo melhoras e diminuição da ansiedade – explica.
A tecnologia utilizada pela psicóloga é de fabricação espanhola e consiste numa plataforma online que disponibiliza mais de 30 situações que despertam a fobia e a ansiedade e um headset, por onde passam os casos.
De acordo com a psicóloga, a tecnologia possibilita inserir a pessoa nas situações das quais ela possui medo ou que ativem sua ansiedade, como, por exemplo, viajar de avião, caso mais recorrente entre as pessoas que a procuram. Com a Realidade Virtual, o paciente passa por todas as etapas que faria ao realizar uma viagem de verdade: em casa aguardando o táxi, a caminho do aeroporto, no portão de embarque e dentro da aeronave.
Em cada uma dessas etapas é possível adicionar agravantes, como a turbulência durante o voo. O diferencial é a possibilidade de colocar a pessoa em uma situação preexistente de forma segura e prática – ressalta.
Na visão da especialista, a aceitação da tecnologia, mais especificamente, da gamificação na psicologia só cresce entre pacientes e comunidade científica, necessitando apenas de maior divulgação e esclarecimento. “A tecnologia já presta contribuições inestimáveis em diversas áreas. Chegou a hora e a vez da psicologia explorar suas possibilidades”, conclui.
O consultório da psicóloga Marihá Lopes fica na rua Haddock Lobo, 210, sala 1.003, na Tijuca.
Mais informações: www.marihalopes.
Crédito fotográfico: Raphael Feitoza.