O Brasil vivencia um momento de efervescência social e política, com reformas em curso e debates acalorados. Com discussões, muitas vezes, sobre temas irrelevantes ou inapropriados ao ambiente político, pode até ficar a impressão de que não existem outras demandas na pauta do que é necessário para o nosso país. A lista é por deveras extensa, só cresce e a sociedade está cada vez mais mobilizada a reivindicá-la, nas ruas ou na internet. Uma dessas demandas que não podem ser esquecidas é da pessoa com deficiência e - o que não é muito abordado - da sua estrutura familiar.
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12,7 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, o que corresponde a 6,7% da população brasileira. Se ampliarmos o espectro para as pessoas com limitações funcionais, temos 45,6 milhões, 23,9%. Os dados são mais do que significativos e atentam não só para a necessidade de políticas públicas que sejam levadas a sério e atendam a essa parcela expressiva do nosso povo, como também àqueles que cuidam e, nos casos das crianças e adolescentes especiais, buscam, com muita dedicação, garantir o desenvolvimento ideal dos filhos em meio aos desafios do cotidiano e da sobrevivência.
A primeira legislação em âmbito nacional na área, a Lei 7853, vai completar 30 anos. O que mudou? Quem vive essa realidade entende que o maior desafio é o que você mais sente. Em todos esses anos em que auxilio famílias com especiais, e por meio da minha própria experiência de vida, pude constatar os desafios mais presentes no imaginário dos pais de especiais, como o de conciliar a rotina da família à nova realidade, o medo de estar ausente e deixar o ente sem proteção, a manutenção da estrutura familiar, pois é comum que casais se separem, e o preconceito.
Sou prova viva desse desafio. Sou pai do Marcelinho, um rapaz especial, de 21 anos, autista. Costumo dizer que meu filho, meu presente, tem me ensinado mais do que eu a ele. É um curso intensivo há 21 anos. Tenho sido pai, aluno, pesquisador. Até participei da criação de Projeto de Lei para pessoas especiais. E é esse o cerne do artigo.
Em 2013, tive um encontro inusitado com o deputado federal Rodrigo Maia na Vila da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, numa época em que o Congresso Nacional trabalhava uma lei sobre autismo. Veio a se consolidar então a Lei 12.764/12. Essa lei visa assegurar mais direitos a autistas. Benefícios legais de todos os portadores de deficiência, que incluem desde a reserva de vagas em empresas com mais de 100 funcionários, até o atendimento preferencial em bancos e repartições públicas. Ele procurou ter informações sobre os indivíduos enquadrados sob o espectro autista. Após a antevéspera do Natal do mesmo ano, quando ele esteve na minha casa, levando um panetone para o meu menino, elaborei um grupo de ideias e as aglutinei em um projeto que denominei “Pátria Viva”, pois buscava tratar de temas associados à saúde dos brasileiros. O parlamentar acolheu, com muito respeito e interesse, a causa e minhas ideias, e delas resultou o Projeto de Lei (PL) 7148/2014, com o objetivo de regulamentar a licença remunerada por 30 dias, nos casos de doença incapacitante de membros da família, para os seus responsáveis diretos. Se o PL se tornar lei algum dia, deverá se chamar “Lei Marcelinho”. Sim, como no filme “Forrest Gump”.
Lamentavelmente, de 2014 para cá, nada avançou e o projeto de lei segue à espera do acolhimento e atenção adequados pela Câmara Federal, tendo sido, ao longo desses anos, escamoteado talvez pelo turbilhão de temas mais midiáticos e angariadores de votos.
Esse é apenas um dentre vários projetos de lei voltados às pessoas com deficiência e suas famílias que estão emperrados ou que, infelizmente, nem chegam a esse estágio. Quando seremos considerados prioridade e tratados com o respeito adequado pelas instâncias do poder? O avanço existente é ínfimo para um país de dimensões continentais e com o contingente que aguarda por mudanças que impactem positivamente suas duras realidades, encaradas com muita luta, abnegação e, acima de tudo, amor.
*Orientador e especialista em famílias com pessoas especiais