Por Valéria Calente
Esta semana uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, julgando Recurso Especial do Distrito Federal, condenou médico e hospital que desrespeitaram a autonomia do paciente.
Essa decisão traz importantes reflexos na relação entre médico e paciente.
Se antigamente havia uma relação vertical, caracterizada pelo paternalismo do médico, que, detentor do conhecimento, podia tomar decisões, hoje esta relação se modificou, é horizontal.
O paciente tem capacidade de se autogovernar, fazer opções e agir de acordo com suas próprias deliberações.
Assim, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, e na garantia constitucional de que ninguém será obrigado a fazer deixar de fazer algo senão em virtude de lei, a decisão reconheceu os limites da atuação do médico, pela vontade do paciente.
Além disso, a decisão do STJ cita o valor jurídico da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, da UNESCO:
Artigo 5.º Autonomia e responsabilidade individual A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respectiva responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso das pessoas incapazes de exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.
Artigo 6.º Consentimento - Qualquer intervenção médica de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação adequada.
Eu não canso de falar em minhas palestras dirigidas a profissionais de saúde sobre a importância do termo de conhecimento, e, mais que isso, que seja sempre elaborada para cada procedimento especifico, e não um termo genérico, entregue e explicada pelo profissional, e não sua secretaria, e, finalmente, que o paciente tenha tempo e ler, pensar e esclarecer todas as dúvidas.
Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo.
Essa relevante decisão do STJ deve ser a toada dos atos médicos de agora em diante: em regra, para que o ato médico seja legítimo, deverá ser fruto da informação prestada ao paciente, e decidida por ele, paciente. Essa conduta garante a atuação médica juridicamente válida.
Por outro lado, é sempre importante pontuar que pesquisas jurisprudenciais não apontam risco de condenações de médicos que atuam segundo o consentimento do paciente, ainda que o resultado final seja adverso.
Ou seja, pune-se a negligência informacional.
O direito à informação e norma constitucional e permeia todo o Código de Defesa do Consumidor além de estar previsto no Código de Ética Médica.
A própria jurisprudência do Conselho Federal de Medicina tem reconhecido que é ético da parte do médico respeitar a autonomia do paciente, mesmo quando a decisão do paciente lhe acarrete prejuízos pessoais.
Isso confere segurança à classe médica, uma vez que não se pode responsabilizar o médico pelas decisões tomadas pelo próprio paciente, tanto no campo ético, quanto no civil ou penal.