O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro João Otávio de Noronha, disse nesta quinta-feira (15) não ter “nada a temer” em relação à lei de abuso de autoridade aprovada ontem (14) na Câmara, e que o juízes precisam ter limites em sua atuação como qualquer outra autoridade.
“A lei é para todos. E nós também, juízes, temos que ter limites na nossa atuação, assim como têm os deputados, o presidente da República, como têm os ministros do Poder Executivo. Portanto, acredito que o que tem aí deve ser um aprimoramento da legislação”, disse Noronha.
João Otávio de Noronha disse não se intimidar com lei de abuso de autoridade | Alan Marques/Folhapress - 19.07.2018 |
Questionado sobre um dos pontos do texto aprovado, segundo o qual se torna crime prorrogar investigação sem razão justificável, Noronha afirmou que o projeto de lei “chove no molhado”, uma vez que tal conduta já seria proibida pelo Código de Processo Penal.
“Portanto, isso não pode nos intimidar. Nós juízes não podemos nos intimidar por nada. Nós juízes temos de estar blindados a intimidações”, disse.
Noronha poderou, porém, que ainda vai examinar com calma o texto e que “se tiver algum vezo de inconstitucionalidade” vai alertar o presidente Jair Bolsonaro para não sancionar o projeto de lei. “Se estiver tudo de acordo, vamos então pedir que sancione, e como bons aplicadores das normas, haveremos de respeitar”, afirmou.
O projeto de lei sobre abuso de autoridade, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), já havia sido aprovado no Senado. Após ser também aprovado na última quarta-feira (14) em regime de urgência no plenário da Câmara, segue para sanção presidencial.
O texto aprovado elenca cerca de 30 condutas que passam a ser tipificadas como crime, passíveis de detenção, entre elas pedir a instauração de inquérito contra pessoa mesmo sem indícios da prática de crime, estender investigação de forma injustificada e decretar medida de privação de liberdade de forma expressamente contrária às situações previstas em lei, por exemplo.
NOTA DE REPÚDIO À APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI Nº 7.596/2017
Nós, PROMOTORES DE JUSTIÇA, INTEGRANTES DOS 15 NÚCLEOS DO GAECO E DO GEDEC, DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, frente à aprovação no Congresso Nacional do Projeto de Lei nº 7.596/2017, que cuida dos chamados crimes de abuso de autoridade, vimos, por meio da presente Nota, manifestar o mais profundo repúdio ao texto encaminhado para sanção Presidencial.
Com efeito, para além de questionamentos atinentes aos aspectos constitucionais de diversos dispositivos, não só no tocante ao mérito mas também no que diz respeito à tramitação, percebe-se que o propósito inequívoco da iniciativa é impedir, acuar, dificultar e inviabilizar o exercício responsável, eficiente e eficaz da atividade investigativa, repressiva e punitiva do Ministério Público e de outros órgãos e Instituições reconhecidas e admiradas pela sociedade.
Não obstante questões pontuais retratadas no projeto aprovado, que fogem por completo à normalidade e esmagadora maioria dos casos, que já ensejam, sem qualquer alteração legislativa, as devidas apurações e responsabilizações, o que se vislumbra e busca é atingir justamente os trabalhos comumente levados a efeito pelos integrantes dos grupos especiais, como os GAECOS e o GEDEC, dedicados a combater o crime organizado, a corrupção, a lavagem de capitais e crimes praticados pela internet ou em ambiente virtual.
Por certo, com o aprimoramento de diversas técnicas investigativas e com o avanço das Instituições e da própria sociedade, na compreensão da complexidade dos fenômenos e mecanismos que envolvem a criminalidade organizada, os resultados mais recentes apontam para o combate cada vez mais contundente contra a corrupção de agentes públicos e representantes eleitos pelo voto.
Assim, ao pretender, por meio de lei, tornar crime diversas atividades típicas e comuns àqueles que investigam e visam combater e reprimir os diversos abusos e crimes verificados em detrimento da sociedade, como uso de algemas, realizações de prisões, efetivação de buscas, dentre outros, o recado dado é claramente uma forma de frear os avanços e a busca constante pela responsabilização dos criminosos, do combate ao crime do colarinho branco e às organizações criminosas, sejam os envolvidos com tais atividades poderosos ou não.
Não bastasse, a possibilidade de responsabilização civil e pessoal, pela prática pura e simples dos deveres de ofício, exercidos sempre sob o controle do Poder Judiciário e das respectivas Corregedorias, com previsões abertas e abstratas, representa atitude somente concebível em regimes autoritários e impositivos, nos quais a defesa da sociedade, a critério dos governantes, pode ou não ser aceita, conforme os interesses que lhes atender, mesmo que dissociados do desejo da população.
O efeito prático imediato, talvez não divisado pelos Congressistas, é o prejuízo às investigações contra grandes organizações criminosas dedicadas também ao tráfico e a crimes que envolvem violência, como é o caso do Primeiro Comando da Capital – PCC, e outros grupos semelhantes, como redes de pedofilia ou que exploram a atividade sexual de crianças e adolescentes.
PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA GAECO - GEDEC Para que a atividade investigativa e repressiva possa ser exercida em sua plenitude, em atenção aos anseios e interesses da sociedade, os responsáveis precisam ter serenidade, equilíbrio e, sobretudo, segurança de que o resultado de seus trabalhos, sujeitos a controles internos e externos, não implicará em represálias ou vinganças indevidas, que, com a aprovação do Projeto de Lei, passam a ganhar maior espaço.
Investigar, buscar a responsabilidade de criminosos, sejam eles quem forem, combater o crime de colarinho branco e as organizações criminosas, com o constante receio de ter as conclusões de trabalhos complexos e dedicados sujeitas não mais aos controles já existentes, mas também à possibilidade de responsabilização criminal, civil e administrativa, dentro de previsões genéricas, abstratas e sujeitas a uma variante de interpretações, certamente é mecanismo suficiente para inibir e dificultar as atividades que, especialmente nos últimos tempos, tem sido apoiadas e incentivadas por todos os setores da sociedade.
Por esse motivo, por meio do presente manifesto, comunicamos que caso sancionado o texto, nos moldes em que lançado, restará completamente esvaziada a atividade rotineira e complexa por nós realizada, sob o receio de sempre que envolvidos interesses de pessoas de relevo ou com ingerência política, haver, no mínimo, o transtorno de se defender, seja em ações penais, seja em ações cíveis, pelo fato de realizar unicamente aquilo para o que representamos a sociedade.