Em parceria com a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre) e o Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo (Proesq), o Centro de Estudos Paulista de Psiquiatria (CEPP) promove, em 24 de maio, o Dia Mundial da Pessoa com Esquizofrenia.
A data, que será celebrada pela segunda vez no Brasil e já fazia parte do calendário em diversos países, destaca o desafio de tratar a doença, buscando entender e discutir a redução das barreiras do estigma e criar oportunidades de superação. O lema da campanha deste ano é “Esperança Realista e Possibilidades na Vida com Esquizofrenia”, um convite à reflexão para as pessoas com esquizofrenia, seus familiares e os profissionais de saúde.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), 23 milhões de pessoas no mundo têm esquizofrenia. A falta de informação sobre o transtorno gera uma série de equívocos em relação ao comportamento dos pacientes, considerados por muitos como perigosos, violentos e inaptos para o convívio.
Sintomas e diagnóstico
O diagnóstico da esquizofrenia pode vir logo depois do primeiro episódio psicótico, que inclui delírios (ideias que são incompatíveis com a realidade da pessoa), alucinações (em geral, auditivas, na forma de “ouvir vozes”), pensamento desorganizado e alterações de comportamento.
Estes sintomas ocorrem essencialmente na fase aguda da doença (o “surto” psicótico). Uma vez tratados, eles diminuem ou desaparecem (o período de remissão), podendo a pessoa vir ou não a ter novos surtos. No período de remissão ficam mais perceptíveis outros sintomas, como apatia, falta de motivação e dificuldade para expressar emoções (as emoções ficam “apagadas”). A doença exige tratamento de longo prazo em 80-90% dos casos.
É o que explica o psiquiatra Mário Louzã, doutor pela Universidade de Würzburg, Alemanha, e coordenador do Programa de Esquizofrenia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: “É necessário tratar o paciente imediatamente para evitar novas crises, pois, do contrário, a pessoa pode piorar nos surtos subsequentes”. Segundo o psiquiatra, o não-tratamento é prejudicial à estrutura cerebral.
Os mecanismos de como a doença funciona e o porquê ainda não foram completamente desvendados, mas já se sabe que há relação com mais de um fator. “Sabemos que há todo um processo para chegar ao momento em que a doença aparece. Primeiro, existe uma base genética, que se soma a alguns fatores de risco: qualquer lesão no neurodesenvolvimento durante a gestação já deixa a estrutura cerebral vulnerável. Há ainda outros episódios de vida, como o uso de drogas na adolescência, quando o cérebro ainda está se ajustando”, afirma o especialista.
Louzã explica que, durante as crises, o que ocorre é uma alteração química no cérebro, com o aumento do funcionamento do sistema dopaminérgico. Portanto, de modo geral, as medicações usadas têm como foco bloquear a dopamina, cuja hiperfunção já está mapeada como gatilho desse desequilibro. Porém, estuda-se ainda a presença de outras neurodisfunções envolvidas.
É comum também que o paciente apresente comorbidades em paralelo à esquizofrenia. Depressão e tendência ao uso de drogas são as principais preocupações, mesmo quando o paciente está seguindo o tratamento – até porque o uso de drogas e álcool pode ser um gatilho para novas crises. Também pode ocorrer quadros de transtorno obsessivo compulsivo, transtornos de ansiedade e problemas de sono.
Personalização
Existem diretrizes básicas de uso da medicação para o tratamento da esquizofrenia. Porém, o olhar do profissional de saúde para o paciente busca sempre a individualização. Alguns pacientes se dão melhor com um ou outro medicamento e, por vezes, pode ser necessário fazer ajustes de dose ou mesmo da forma farmacêutica. “Quando o paciente tem muita resistência a utilizar corretamente a medicação oral, aumenta o risco de recaídas e temos uma piora do quadro geral do paciente. Então, não é incomum fazer substituições até mesmo por formas injetáveis de longa duração dos antipsicóticos”, exemplifica o psiquiatra.
Antes dessa medida, tenta-se trabalhar com o paciente – e a família – abordagens psicoterápicas e psicoeducacionais. O médico explica que elas são importantes para despertar no paciente a importância da persistência no uso do medicamento. São muitos os motivos para o abandono do tratamento. Um deles é próprio da condição: “a pessoa não tem um senso crítico satisfatório sobre a doença, não se percebe como doente e, portanto, não vê motivo para se tratar”, pontua Louzã. Outro fator para a descontinuidade são os efeitos colaterais das medicações.
Opções terapêuticas
Os antipsicóticos são divididos entre primeira e segunda geração. Os primeiros foram desenvolvidos até por volta dos anos 1970, enquanto os mais modernos vieram a partir da década de 1990. Eles se diferenciam principalmente pelos efeitos colaterais que provocam.
Os de primeira geração apresentam os chamados efeitos extrapiramidais, que geram uma reação similar à doença de Parkinson: ao bloquear o sistema dopaminérgico, o medicamento provoca tremor, rigidez física, hipersalivação e dificuldade para caminhar (marcha em bloco). Já os de segunda geração reduziram significativamente esses incômodos, mas trouxeram como possível efeito colateral o ganho de peso, acompanhado de aumento do colesterol e triglicérides.
“Se o paciente se dá bem com um medicamento de segunda geração, em geral, preferimos acrescentar outro fármaco que controle o colesterol e orientamos para que ele pratique atividades físicas de forma complementar. Porém, se o efeito colateral é significativo e os resultados do tratamento estão pouco satisfatórios, a opção é tentar mudar de medicamento até encontrar o melhor ajuste”, afirma.
De acordo com o médico, os fármacos de primeira geração são ainda prescritos com frequência, mas, caso se apresentem como opção, podem ser prescritos junto a medicamentos específicos, caso o paciente desenvolva sintomas extrapiramidais. “No Brasil, usamos o biperideno, que não provoca interações importantes”, diz.
O tratamento da esquizofrenia envolve sempre uma abordagem multiprofissional. O objetivo é ajudar o paciente a voltar, na medida do possível, à vida normal. Para isso, o trabalho com a família é fundamental. Muitas vezes a pessoa não tem a remissão total da doença, mas ela e a família aprendem a lidar melhor com os fatores que desencadeiam as crises.
Desafios
A pessoa com esquizofrenia é vista como "perigosa", "violenta", "imprevisível", "esquisita". Esta visão distorcida gera a discriminação, reduzindo as chances de inserção social e profissional. Ela terá dificuldade em situações triviais, pois terá que superar barreiras criadas pelo preconceito.
O elemento principal para mudar este cenário é a informação. Conhecer a doença, entender seus sintomas e saber como é feito o tratamento. Informações corretas, obtidas em fontes confiáveis, ajudam a compreender a pessoa com esquizofrenia e se contrapõem àquelas distorcidas e arraigadas no senso comum. É um longo trabalho, uma vez que é preciso mudar algo que vem de muitas décadas. No entanto, é fundamental para que a realidade se imponha sobre o preconceito.