Por Heródoto Barbeiro *
A criatividade é o maior inimigo da burocracia. É subversiva. Anti-stablishment. Provocadora de conflitos e desarmonia. Aparentemente as grandes estruturas têm o poder de mantê-la sob controle e com isso preservar mercados, investimentos ou ações do Estado. Uma simples sugestão de mudança não pode destruir edifícios sólidos, caríssimos e construídos pedra a pedra pela burocracia. Em alguns casos ganhou vida própria e com isso cria novos labirintos que nem Teseu seria capaz de escapar. Quando chegasse no que acreditava ser o fim do caminho, mais um novo se abre na sua frente e ele, mesmo depois de matar o Minotauro, não conseguiria escapar. É vítima de sua própria coragem, desejo de acabar com uma ameaça sobre todos os jovens de Atenas. Se perde esta batalha, novas levas de atenienses, homens e mulheres seriam levados para satisfazer a fome da fera. Somente a criatividade poderia ajudar o herói ainda que fosse um fino fio de tecido que indicasse como escapar do labirinto e poder voltar para casa triunfante.
Melhor não. Esta é a frase mais querida dos burocratas do mundo. Por que arriscar com novas ideias, métodos, ações e estratégias se tudo está correndo bem? Não se mexe em time que está ganhando diz o famoso locutor esportivo. Se mudar e o time perder a culpa é dele. O prazo expirou é outra máxima dos burocratas que fizeram uma árdua carreira para chegar aos postos de mando, seja no campo governamental, seja no campo privado. Jogar uma carreira fora por causa de uma nova ideia é impensável no mundo da burocracia. Os selos, carimbos, assinaturas ilegíveis foram modificados com o advento de novas tecnologias, mas tudo isso sobrevive cavalgando os bits e bytes. É verdade que o tempo de execução diminuiu. Hoje é possível resolver questões à distância e com isso diminuir os deslocamentos e o trânsito em direção a uma repartição pública ou a uma unidade da empresa em outro bairro ou cidade. Tudo precisa estar codificado, com prazos, e os caminhos seguidos à risca sob a ameaça de punições sejam econômicas ou jurídicas. É para preservar o estado ou a corporação repetem os magos da burocracia. Muitos deles com os seus salários preservados, estabilidade ou bônus no final do ano. O manual do burocrata é o protocolo.
A fantasia é o motor da criatividade. Alguém já disse que um homem é capaz de inventar tudo o que outro homem imaginou. E a história contemporânea é uma testemunha disso. As novas tecnologias criativas, não substituem apenas o trabalho humano na maioria das atividades. Criam novos valores e solapam velhos métodos considerados invencíveis. Quem poderia imaginar que uma pequena start up poderia desafiar o cartel dos grandes bancos de varejo ou de investimento? Ainda que novos recursos, como a inteligência artificial, possam emitir pareceres jurídicos, médicos e até desafiar o campo da arte, nada substitui o ser humano. Ele tem o monopólio da criatividade. Vem ai pela frente no século 21 uma batalha entre os burocratas digitais e os criadores. A primeira delas foi disputada a bordo da nave Discovery One quando o computador Hal 9000 assume o controle de tudo e deixa sem ação o astronauta a bordo. Torna-se refém e não mais comanda nada. Mas enquanto o burocrata vê limites, o criativo vê as oportunidades e transforma até vínculos em oportunidades. Estejam elas onde estiverem, diz Domenico de Masi. É verdade que a burocracia deu forma ao Estado e às grandes corporações nos séculos passados. Sem ela o crescimento econômico, científico e financeiro não seria possível. Iria ser uma confusão geral, como era na época do pré-capitalismo europeu. Contudo a burocracia chegou aos seus limites. Não é capaz de competir com o que não tem limites : a criatividade e a estética. Atributos de todos os seres humanos.
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