Ele não respondia por qualquer dano provocado por seus atos. Ele era inviolável e estava acima de qualquer lei do país. Nada lhe era impotável, nem mesmo ser submetido às investigações vexatórias que os cidadãos comuns eram obrigados a se submeter. Nem mesmo quando pesavam sobre sua figura a suspeita que mandara assassinar vários de seus desafetos políticos e pessoais. Alguns eram jornalistas da oposição ao seu governo. Sua figura era adorada como um verdadeiro semideus ainda que vivesse em uma época que o poder divino dos reis ruía depois da revolução turbinada pelas “odiosas ideias francesas”. Ainda que teoricamente submetido a constituição do Império do Brasil, dom Pedro I deixou claro que só aceitaria o que fosse de sua vontade. Ele estava acima das leis. Se vivesse hoje teria o chamado foro especial e estaria fora do alcance de um juizinho de qualquer província, como um tal de Moro, do Paraná. Esta é a raiz histórica da construção da sociedade de dois andares, os de cima começaram pela casa grande, evoluíram para a burguesia de negócios, depois o setor financeiro, alcançou cargos do poder judiciário e pontificou com a proteção ampla, geral e restrita dos políticos de todos os matizes.
Ao povo, ao longo dos anos, foi ensinado a obedecer cegamente às autoridades. Primeiro porque elas tinham a força do Estado ao seu lado, depois porque imaginavam que representavam a lei, que deveria ser igual para todos. A palavra ganhou amplitude tanto formal, como informal. Um juiz, tabelião, promotor público, delegado de polícia e seus representantes consolidaram o título. Por si só impunham respeito e medo. Tinham que ser incensados, bajulados, recebidos com festas com crianças que cantavam hinos pátrios. Os informais eram os bem-nascidos, latifundiários, coronéis, membros do clero, funcionários públicos de todas as categorias. Ficava claro ao longo da república que de um lado estavam as autoridades do outro o populacho. Mas os que ostentaram melhor esse título foram os políticos e seus cabos eleitorais. Mereciam festas maiores, elogios melífluos, mais crianças cantando hinos pátrios, banquetes cerimoniosos e até desfile pelas ruas principais, com direito a banda, carinhosamente chamada de furiosa. Tinham acesso ao poder do Estado, controlavam a estrutura do governo, acesso às nomeações para cargos públicos, e verbas que, apesar de superfaturadas, eram transformadas em obras para os humildes pagadores de impostos.
As autoridades especializaram-se em gastar o dinheiro dos impostos produzidos pelo populacho. Os negócios nebulosos em busca de dinheiro para o caixa dois de campanha eleitoral, para que se eternizassem no poder, deixou-os descobertos e ao alcance da lei. Não surtiu efeito a tentativa de editar uma anistia ampla, geral e irrestrita para o tal caixa dois deixasse de ser crime. Quem roubou, roubou, quem não roubou não rouba mais. Só não avançou por causa da maldita imprensa, da mídia golpista que insiste em divulgar tudo o que lhe chega às mãos. Milhares de autoridades desfrutam do tal foro privilegiado ou porque estão sob o seu guarda-chuva, ou porque são poderosos e estancam qualquer investigação e ´processo. É impensável pedir o impeachment de um ministro do supremo, a mais alta das altas autoridades do Brasil. O processo se reproduz ainda que a sociedade tenha mudado e acesso ao celular se multiplicado. Vereador, tabelião, guarda de trânsito, guarda municipal, ainda que não possuam o tal foro ainda são entendidos como autoridades. Não é a lei que diz o que se pode ou não se pode fazer, é a autoridade. Por isso ela tem que ser preservada uma vez que se mistura com a ordem estabelecida. Quem já não viu um palanque das autoridades para a inauguração de uma pinguela que leva lugar nenhum a coisa nenhuma? Na falta de lugar no palanque a autoridade abre caminho: dá uma carteirada.