As Olimpíadas representam muito mais do que uma competição esportiva. Criada pelos gregos cerca de 2500 anos a.C, o evento se tornou símbolo da garra e superação dos limites humanos. Na antiguidade, os jogos eram tão importantes que até mesmo guerras eram interrompidas e tréguas concedidas afim de garantir sua continuidade. Adormecido por séculos, o torneio não perdeu nada do seu brilho e importância na história da humanidade: retomado em 1894, o evento segue colecionando fatos, fotografias e acontecimentos memoráveis capazes de ilustrar o próprio caminhar da humanidade. Relatos de superação e perdas que vão além do esporte são alguns dos episódios que emocionaram o mundo ao longo dos anos. Há poucos dias do início dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro, relembre 4 acontecimentos marcantes da principal competição esportiva do mundo:
A história por trás de uma das imagens mais marcantes dos jogos olímpicos de Berlim é também representativa: no registro, o atleta negro Jesse Owens é premiado com a medalha de ouro enquanto seus adversários e até mesmo diversos espectadores da cerimônia executam a saudação nazista. Numa época em que o mundo ainda não conhecia o potencial maligno da ideologia de Hitler, as Olimpíadas seriam o palco perfeito para propaganda explícita da crença do ditador. Passando uma falsa imagem de pacifista e tolerante, a real intenção de Hitler era aumentar sua popularidade e demonstrar a supremacia da raça ariana, através da organização e desempenho impecáveis dos atletas alemães.
Mesmo com as tentativas implícitas de assegurar a segregação racial também no pódio, evitando que atletas não arianos participassem e muito menos ganhassem provas, o grande destaque da edição de 1936 foi, ironicamente, um atleta negro. Jesse Owens entrou para história dos jogos de Berlim conquistando 4 medalhas de ouro (100 m e 200 m rasos, revezamento 4x100 e no salto em distância) e protagonizando uma das cenas mais emblemáticas de oposição ao racismo em plena Alemanha nazista. Um fato extremamente curioso por trás de uma das conquistas de Owens é que a ajuda do seu principal adversário foi determinante para sua vitória: o alemão Luz Long deu uma dica preciosa ao americano na prova de salto em distância que, prontamente seguida, lhe garantiu o ouro. Mesmo lhe custando o primeiro lugar, Long, que ganhou a medalha de prata, foi um dos primeiros a cumprimentar o colega. Especula-se que seu gesto foi responsável também por seu fim trágico: ainda que o habitual fosse po upar atletas de elite, Long foi escalado para linha de frente do exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial, morrendo em combate no ano de 1943. O ato nobre do alemão lhe rendeu homenagem póstuma quase 3 décadas depois do feito: o Comitê Olímpico Internacional concedeu ao atleta a Medalha Pierre de Coubertin, honraria máxima da causa esportiva–humanitária. A história de Owens e Long demonstram que o espírito olímpico é capaz de combater pacificamente qualquer ideologia racista, exaltando a generosidade e igualdade entre os povos.
Um dos esportes que mais exaltam a capacidade humana em desafiar seus próprios limites é a maratona – correr quilômetros em velocidades impressionantes é um feito quase sobre-humano. Um dos maiores símbolos dessa modalidade, considerado por muitos o maior maratonista de todos os tempos, é também conhecido como “o corredor descalço”. O etíope Abebe Bikila se consagrou no esporte por diversos motivos: foi o primeiro atleta a vencer duas maratonas olímpicas, abriu uma série histórica de campeões africanos e também estabeleceu um novo patamar na categoria graças ao seu incrível desempenho. Uma das fotografias mais conhecidas da história das Olimpíadas é também um dos registros mais memoráveis do atleta: nos jogos de Roma, em 1960, o corredor ultrapassava todos seus adversários completamente descalço. Épica, a história daquela disputa ainda contava com outros ingredientes dignos de um conto grego: escalado para compor a equipe do seu país no último momento, Bikila substituíra o compatriota Wami Biratu, lesionado às vésperas da disputa. Mesmo novato na competição (seria a segunda disputa do etíope), o destino reservaria ao atleta a quebra do recorde mundial. Sua vitória também foi marcada pela estratégia: no reconhecimento prévio do percurso da prova, o corredor notou que o obelisco de Axum estava a distância de 1,5 km da linha de chegada e adotou esse marco como ponto no qual ele deveria dar a arrancada final. Outro fato peculiar é que a impressionante marca de Bikila (2:15:16, 4 minutos a frente de seu último oponente) também pode ser explicada pela sua tentativa de ultrapassar um adversário inexistente: alertado pelo treinador que seu principal concorrente, o marroquino Rhadi Ben Abdesselam correria com o número 26, o atleta percorreu a prova com o intuito de alcançar o referido atleta. Porém, Abdesselam entrou na disputa com outra numeração, o que levou o etíope a acreditar que o corredor estava sempre a frente, mesmo já tendo ultrapassado o maratonista. Como se isso não bastasse, Bikila disputou como costumava treinar: sem nenhum tipo de calçado. Isso porque não achou nenhum dos pares oferecidos pelo patrocinador do evento confortável o suficiente para a prova. Disputada à noite, a maratona iluminada por tochas, ganhou desfecho heroico com a citação de Bikila “Queria que o mundo soubesse que meu país, a Etiópia, sempre tinha conseguido suas vitórias com heroísmo e determinação.
Infelizmente, a história das Olimpíadas também foi marcada por acontecimentos trágicos que abalaram o mundo. O mais longo e fatídico dia do esporte aconteceu durante os jogos de Munique, em 1972, quando o mundo testemunhou uma verdadeira barbárie. Em 5 de setembro daquele ano, 8 membros do grupo extremista palestino “Setembro Negro” invadiram o alojamento da delegação israelense, fazendo duas vítimas fatais e mantendo outros 9 integrantes reféns. Na tentativa de negociar a libertação de 234 árabes presos em Israel, os terroristas atraíram a atenção da mídia internacional que cobria o evento, mesmo assim, o país hebreu se manteve na negativa. As forças alemãs decidiram então armar uma emboscada para os terroristas, prometendo um avião que transportaria o grupo em segurança até o Egito, contudo, a real intenção dos militares era abater os algozes quando os mesmos estivessem expostos. Um helicóptero foi oferecido para fazer o transporte de terroristas e reféns para uma base próxima, no entanto, a desastrosa ação do exército alemão culminou num verdadeiro massacre: ao perceberem a cilada, os terroristas abriram fogo contra os agentes e deu-se início a um grande tiroteio. Como se não bastasse, durante o desespero do conflito, um dos palestinos lançou uma granada em direção ao helicóptero, acabando com qualquer esperança de resgate dos reféns. O saldo dessa tragédia foi a morte de 17 pessoas: os 11 israelenses sequestrados, 5 membros do grupo terrorista e 1 policial alemão. Mesmo sob intensos protestos de Israel, os jogos prosseguiram pouco tempo depois do velório das vítimas, que ocorreu em um dos estádios da competição. O episódio rendeu duras críticas Comitê Organizador Internacional pelas falhas de segurança, que, com medo de tornar outra edição dos jogos uma propaganda velada do militarismo (como ocorreu em 1936), afrouxou a defesa nos alojamentos e locais de competição. Além disso, o evento desencadeou outros conflitos entre palestinos e judeus, agravando a tensão que já existia entre esses países. Diversas medidas foram tomadas após o incidente afim de evitar ações terroristas em eventos dessa magnitude, porém, o terrível Massacre de Munique deixaria para sempre uma triste mancha na história dos jogos olímpicos.
Os jogos de Atenas de 2004 despertaram fortes emoções nos brasileiros: contando com a maior delegação até então, nossos atletas conquistaram o melhor resultado qualitativo com a conquista de 5 medalhas de ouro. Contando com mais 2 medalhas de prata e 3 de bronze na bagagem, o país ocupou o 16° no quadro de premiações da edição. Porém, os jogos daquele ano não entrariam na memória dos brasileiros apenas por esse feito: o episódio mais emblemático do torneio também foi protagonizado por um de nossos atletas: o desempenho do maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima teria ampliado as conquistas máximas do Brasil se não fosse uma figura pitoresca em seu caminho. Liderando a maratona olímpica até o quilometro 36 com 25 segundos de vantagem sob seu último adversário, Vanderlei se deparou com uma situação desespera dora, quando foi subitamente agarrado por um espectador da prova e impedido de prosseguir na corrida. O algoz, Cornelius Horan, ex-padre irlandês, já havia protagonizado outra invasão durante um evento esportivo, no GP da Inglaterra do ano anterior. Vanderlei só conseguiu se desvencilhar do ataque com a ajuda do torcedor grego Polyvios Kossivas. Infelizmente, a curta interrupção foi o suficiente para fazer o atleta perder um tempo precioso e quebrar o ritmo da prova. Ultrapassado por dois adversários, Vanderlei acabou conquistando o bronze. Mesmo assim, foi recebido com honras máximas em Atenas, aclamado pelos torcedores gregos com comemorações dignas de um herói. O Comitê Olímpico Brasileiro ainda tentou reclamar a medalha de ouro junto aos responsáveis pela premiação, porém, sem sucesso. Mesmo prejudicado, Vanderlei demonstrou superação e humildade car acterísticas do espírito olímpico, aceitando o pedido de desculpas do irlandês que o impediu de conquistar o ouro. Apesar do episódio, o atleta foi condecorado com a Medalha Pierre de Coubertin, mérito concedido à pouquíssimos esportivas em toda a história. Independente do lugar que ocupou no pódio, o brasileiro entrou para o rol dos atletas emblemáticos do esporte olímpico.
Fonte: eMania