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Diário para Zé Manés

28 de Novembro de 2019

Dias atrás, terminei de ler um livro sobre célebres criminosos que estão presos em Tremembé-SP. O autor, também detido, deu para sua obra um nome parecido com o deste artigo, o qual, no entanto, acabei por aproximar à realidade mais latente. Decidi ler o livro para saber o que um dos detentos andava dizendo sobre mim, pois, afinal de contas, eu é que fui o responsável por sua acusação ao longo de seu respectivo processo.

No entanto, o que mais me chamou a atenção na obra não foi isso, mas sim o grau de desinformação prestada pela mesma. Recentemente, parece que a venda do livro foi proibida, isso por força da ausência de autorização dos entrevistados na divulgação de seus relatos. Entretanto, melhor seria que a proibição tivesse se dado por conta dos absurdos e das mentiras que ele contém.

A obra é uma verdadeira glamourização de criminosos. Todos eles, na visão do autor, são educados, solidários, respeitosos e bondosos. Todavia, paradoxalmente, estão presos por estuprar, roubar e matar pessoas de diferentes perfis. Mas isso não é o pior. O estarrecedor é o nível de desconhecimento em relação a temas ligados ao encarceramento no Brasil, ao número de presos provisórios aqui existentes, ao perfil dos frequentadores de nossos presídios, aos fatores desencadeadores da violência, aos custos de nossos presos, dentre otras cositas más.

De acordo com o autor, o Brasil é um país que prende muito e por um longo tempo. No entanto, fico me perguntando como isso é possível se não elucidamos cerca de 92% dos crimes de homícidio; se no Estado do Rio de Janeiro apenas 2% dos crimes de roubo possuem autoria conhecida; e se todos os nossos detentos podem progredir de regime com o cumprimento, via de regra, de apenas 1/6 da reprimenda imposta, quando em outros países não muito rígidos o mínimo exigido é de ao menos ½, 2/3, 5/6, etc (Argentina, Uruguai, Chile e Portugal). Como podem observar, parece que o autor não está muito bem informado em relação ao assunto.

Já quanto ao tema relacionado aos presos provisórios, denuncia o escritor que nós possuímos cerca de 40% de detentos aguardando julgamento, situação esta que, para ele, configura o mais arrematado absurdo. Bem, em primeiro lugar, esse número não chega a tal patamar. Ademais, ao contrário dos outros países, no Brasil se computa como preso provisório não somente aqueles que ainda não foram condenados em primeira instância, mas também todos aqueles já sentenciados, mas que aguardam o resultado de seus infinitos recursos por três ou quatro instâncias. Se utilizássemos o mesmo critério das outras nações (preso provisório é somente aquele que ainda não foi condenado sequer em primeiro grau de jurisdição), fatalmente seríamos um dos países com menos presos provisórios no globo.

De qualquer forma, ainda que se queira considerar esse percentual inflado e com critérios equivocados, é fato que, mesmo assim, tal índice não difere muito de outras nações de primeiro mundo, tais como a Holanda, a Suíça, a Itália e a Dinamarca. Enfim, mais uma vez equivocado o nobre político e escritor detido. E os comentários acerca do perfil de nossos presos, então? Bem, quanto a este ponto, o autor da obra se superou por completo. Aduz ele em seu referido diário que a maior parte dos presos do Brasil é composta por cidadãos primários, tendo eles praticado crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa. Pelo amor de Deus! Nunca vi tamanho absurdo em 16 (dezesseis) anos de Ministério Público.

Atualmente, só se encontra preso em nosso país quem for autor de crime de homicídio, estupro, roubo, tráfico de drogas e/ou quem reiterar em práticas delitivas. Todo o restante dos criminosos responde ao seu processo em liberdade, sendo certo que, mesmo depois de condenados, ainda cumprem suas penas em regime aberto e/ou prestando serviços à comunidade. Dos 1.050 (mil e cinquenta) tipos penais existentes em nossa legislação, apenas 28 (vinte e oito) obrigam o juiz a fixar o regime inicial fechado para cumprimento da sanção. De todos os crimes capitulados em nossas leis, cerca de 50% admitem transação penal, 25% admitem a suspensão condicional do processo e quase 5% são passíveis de penas restritivas de direitos.

Como é possível, então, com todos esses dados, afirmar que nossas prisões estão cheias de detentos primários e praticantes de crimes de menor potencial ofensivo? Impossível! Somente a ignorância e/ou a má-fé são capazes disso. E o que dizer ainda de suas opiniões quanto às causas que fazem as pessoas delinquirem? Bem, como não poderia deixar de ser, aqui o lugar comum do autor é novamente insuperável.

De acordo com ele, é a pobreza, a falta de educação e a desigualdade que faz o sujeito praticar crimes. Bem, para começo de conversa, interessante observar que, no local onde ele escreveu seu livro, a última coisa que existe são pessoas miseráveis, incautas, ignorantes ou analfabetas. Em Tremembé, só existem presos famosos e/ou de classe média ou classe média-alta, já tendo passado por ali o médico Roger Abdelmassih, o ex-seminarista Gil Rugai, o policial militar reformado Mizael Bispo, além de Alexandre Nardoni, Guilherme Longo, Cristian e Daniel Cravinhos, bem como o ex-diretor da DERSA Paulo Preto e o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira. Somente isto já bastaria para demonstrar que não é a pobreza e/ou a desigualdade que faz a pessoa delinquir, mas sim a sua decisão individual, esta totalmente independente das condições sócio-econômicas geralmente invocadas.

Aliás, nada mais preconceituoso do que dizer que os pobres são, invariavelmente, criminosos. E o curisoso é observar que a turminha do politicamente correto não se insurge contra isto, fazendo até mesmo coro em relação a tal assertiva estapafúrdia. Mas, é certo que existe ainda mais. Se pegarmos alguns países com índices de desenvolvimento humano infinitamente inferiores aos do Brasil, constataremos mais uma vez que pobreza e desigualdade não são determinantes para a criminalidade. Nações como a Etiópia, Madagascar e Nigéria, por exemplo, apesar de muito mais pobres do que nós, possuem índices de criminalidade absolutamente invejáveis para nossos padrões.

Como se tal não bastasse, lembro ainda que, na grande crise de 1929, os EUA tiveram cerca de 30 milhões de pessoas desempregadas em todo o território, mas nem por isso os índices de violência e criminalidade aumentaram. Em outras palavras, o que faz o sujeito delinquir não são fatores externos, mas sim o caráter e a decisão individual de cada qual. O que pode mudar, dependendo da riqueza ou da pobreza de uma nação, é o tipo de criminalidade praticada (violenta ou de colarinho branco), mas não a criminalidade em si considerada. Esta sempre será fruto da vontade do indivíduo.

Por fim, necessário combater ainda a questão dos custos do cárcere. Para o autor do tal diário, o Estado gasta muito dinheiro com os presos, sendo mais produtivo e econômico substituir o encarceramento por medidas cautelares alternativas e/ou por penas restritivas de direito. Ora bolas, tudo isso já existe em demasia, consoante ressaltado linhas atrás.

No entanto, ainda que assim não fosse, cumpre ressaltar ao escritor custodiado que é muito mais barato manter um criminoso preso, do que deixá-lo a solta no convívio da sociedade. Cada malfeitor detido significa cerca de 15 (quinze) delitos patrimoniais a menos. E manter os criminosos reclusos significa uma economia da ordem de 20 (vinte) vezes mais. Apesar dos gastos com o sustento dos detentos serem altos, os custos da criminalidade são muito maiores com eles soltos. Estima-se que gastemos hoje no Brasil cerca de 10% de nosso PIB (400 bilhões de reais) somente com os efeitos da violência praticada (sistema de sáude, sistema previdenciário, segurança privada, seguros etc).

Enfim, de todas as assertivas lançadas pelo tal escritor, nenhuma delas se sustenta após se obter um mínimo de conhecimento de causa. Mas, para isso, é preciso fazer uma pesquisa séria e consultar os doutos na matéria. Se formos dar ouvidos a qualquer um, certamente as conclusões serão equivocadas. Aliás, já que o autor do tal diário parece estar com tempo para ler, uma vez que está detido por crimes diversos, sugiro então que devore os textos de Gary Becker, Steven Levitt, Thomas Sowell, James Q. Wilson, Stanton Samenow, Claus Roxin, Pery Shikida, Diego Pessi, Leonardo Giardin e Bruno Carpes. Afinal de contas, se ignorar todos eles, fatalmente continuará passando vergonha. De quebra, poderia também o ex-prefeito ler direito as Escrituras Sagradas.

Ao invés de usar o santo nome de Deus em vão, deveria aprender que todo aquele que passa a mão na cabeça do ímpio será amaldiçoado e causará a indignação dos povos, ao passo que aquele que condena o culpado terá vida agradável e receberá grandes bênçãos (Pv, 24: 24-25).

Sobre o Autor:

Rodrigo Merli Antunes é Promotor de Justiça do V Tribunal do Júri de São Paulo; Pós graduado em Direito Processual Penal – Escola Paulista da Magistratura e Coautor da obra O Tribunal do Júri na visão do Juiz, do Promotor e do Advogado.

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