Colunistas - André Garcia

Motociclista sempre pagando a conta: Incongruências no Projeto de Lei de Habilitação de Motocicletas

5 de Abril de 2017

 

Itália é o berço do motociclismo e podemos aproveitar a maior experiência, aprimorando para nossas condições.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alteração proposta para CNH categoria "A" não diminuirá acidentes

Ontem o assunto que “bombou” nas redes sociais foi sobre a mudança na habilitação de motocicletas - CNH categoria “A”, discutido no Projeto de Lei 3245/2015 de autoria do Deputado Federal Ronaldo Fonseca que sofreu pequenas alterações no substitutivo do Deputado Gonzaga Patriota, leia aqui - e recebi dezenas de WhatsApp´s cobrando minha posição, que tenho formada desde 2011, quando escrevi o primeiro artigo sobre o assunto e em 2013 quando escrevi pela segunda vez e que aqui reitero com pequenas alterações necessárias e pontuais.  

Tanto o Projeto de Lei original, quanto o Substitutivo apresentam incongruências graves e antes de entrar propriamente no mérito, a pergunta necessária é: vai prevalecer o interesse comercial ou, realmente, salvar vidas???

Pergunta essa que deve ser respondido pelos nobres Deputados Federais com o aprimoramento do Projeto de Lei. 

A discussão no Congresso Nacional não é de hoje, tanto que no artigo de 2013, a cerne da questão estava no PL 3240/12 do Deputado Federal Roberto de Lucena cuja proposta  era dividir a categoria “A” em A1 (até 150 cc), A2 (até 400 cc) e A3 (sem restrição de cilindrada). Tal projeto foi retirado de pauta a pedido de seu autor e arquivado.

O Projeto de Lei em questão, propõe  e aqui já falamos diretamente do Substitutivo que foi aprovado, como noticiado pela Assessoria da Câmara dos Deputados. click aqui para ler

Tal lei não poderia ser definida como totalmente absurda, mas ficaria longe de resolver o problema dos acidentes de trânsito, mostrando que, de certa forma, quem legisla não parece ter experiência alguma em pilotar uma motocicleta, ou ao menos, conhecimento do mercado que é formado praticamente  98% por motocicletas de baixa cilindrada até 300 cc e apenas 2% de média e alta cilindrada, acima de 500 cc. Portanto, qual o índice de acidentes dentro dessa pequena fatia de 2% para justificar tal mudança? Minha experiência nas palestras em grande empresas demonstra que 99,99% dos acidentes são com motos de baixa cilindrada.  A divisão da categoria “A” como medida isolada, nada resolveria. No entanto, acredito que existam outras maneiras mais eficazes para mudar o atual e absurdo cenário de um trânsito que mata feito a guerra da Síria.

Nossa legislação é uma colcha de retalhos

A VEZ DO ESTADO - Em primeiro lugar, já passou da hora de o Estado assumir de uma vez, para si, a responsabilidade na formação de condutores, ou seja, não mais delegar à iniciativa privada. Entendo que há um confronto de interesses dos CFC´s – Centros de Formação de Condutores, que são entidades privadas, com o interesse de Estado.

O raciocínio é simples: o CFC é um negócio, e como tal precisa aprovar o mais rapidamente possível o candidato para a fila andar e assim aumentar seus rendimentos, já que, normalmente, não possui grande estrutura e o melhor marketing é o boca a boca: “vai lá naquele CFC que te ajudam a passar rápido”. É a maldição do “adestramento”. Sim, o condutor brasileiro é adestrado, e não educado para dividir a via pública com o mínimo de civilidade e muito menos preparado tecnicamente para assumir o guidão de uma motocicleta. Educação leva um pouco mais de tempo e isso aniquila a rotatividade de alunos, e consequentemente o faturamento, já que o valor para conquistar a CNH é estabelecido pelo Estado. Esse argumento mostra que o sistema educacional de trânsito precisa ser reformulado, começando pelo fim das escolas privadas (CFC). Longe de generalizar, há boas CFC´s, mas o sistema educacional de trânsito está falido e basta ver a quantidade de irregularidades que o DETRAN/SP tem encontrado em fiscalizações em CFC´s. Eu ao menos recebo toda semana um ou dois releases divulgando tal informação. Imagine se realmente a fiscalização fosse maior e mais eficiente???

É possível os Detrans assumirem o papel na educação de trânsito em conjunto  com, suas respectivas,  Polícias Militares, que seriam responsáveis pela formação dos instrutores. Estes, por sua vez, contratados mediante concurso público para, também, atuarem na rede pública de ensino para cumprimento do artigo 76 do Código de Trânsito Brasileiro – sim, aquele artigo de lei jamais cumprido, que determina educação de trânsito da pré-escola à pós-graduação.

Aqui em São Paulo, temos o CPTRAN - Comando de Policiamento de Trânsito que tem alto grau de excelência na formação de Policiais de Trânsito. É uma questão do Governo aumentar o investimento.

O custo de habilitação diminuiria, já que o instrutor é funcionário público, a carga horária aumentaria e o cidadão só sai da escola quando aprender de verdade.

CRIAR OU COPIAR? - Há quem afirme que o Brasil não deve copiar outros países, criando alternativas de acordo com a cultura local, o que na realidade não faz sentido. Se pegarmos nosso Direito, a título de exemplo, temos influências dos direitos italiano, romano (quando Roma era Império), francês, anglo-saxão e até grego. Se adotássemos a linha de não copiar ou não utilizarmos um paradigma, não seríamos consignatários de tratados internacionais como a Convenção de Viena sobre o Trânsito Viário, por exemplo.

Pois bem, dois países que culturalmente são parecidos com o Brasil em vários aspectos (festas, bebida, velocidade, paixão por motor, futebol, mulheres) são Espanha e Itália, correto?

A Espanha pode ser considerada atualmente como referência em trânsito. O país foi capaz de conseguir em 6 anos – de 2005 a 2011 –, a redução de mortes na ordem de 56% em sua via pública e continua diminuindo os índices. Após o mapeamento e o estudo de dados estatísticos, o país cumpriu primeiro seu dever (vias de trânsito com pavimentos perfeitos, excelente sinalização e aumento da fiscalização, que passou a trabalhar em conjunto com o Poder Judiciário) e em um processo de convencimento da sociedade (educação e orientação), que incluiu propaganda de impacto em horário nobre, resultando tal proeza.

Quando afirmo “trabalho conjunto do Poder Judiciário e da fiscalização”, significa que o cidadão precisa ter a certeza da punição, algo que, infelizmente, não ocorre no Brasil. O que chama atenção neste modelo espanhol é que o candidato à permissão para pilotar uma motocicleta tem que cumprir um circuito em determinado tempo. Só quando tiver total controle da moto e percorrer o circuito no tempo estabelecido, estará apto a sair com um instrutor para a via pública. Cumprindo as exigências de condução nas ruas, ele será avaliado e, se aprovado, só então será considerado apto a obter a licença para dirigir ou pilotar. Tanto a Espanha quanto a Itália já possuem divisão na categoria “A”, e autorizam na categoria “B” a condução de veículos de duas rodas com limitação de potência, triciclo e quadriciclo.

Por ser mais simples, menos oneroso e menos burocrático, o sistema de habilitação italiano (dividido em três categorias: A2, A1 e A), limitando torque/ potência/cilindrada e com promoção automática por tempo de habilitação e idade, as chances de ser mais eficaz no Brasil são maiores que o modelo espanhol, um pouco mais complexo por ter mais divisões, com limitações pela relação peso/ potência (AM,A1,A2 e A) e mediante novos exames para promoção, o que estão tentando fazer pela atual PL 3245/15. Se a idade mínima para se habilitar nos países europeus são aos 14 anos (Itália) e 15 anos (Espanha), acredito que o Brasil não possa se igualar a esses países, dado  falta de cultura de trânsito; todavia, se cumprida imediatamente, a exigência do artigo 76 do CTB, daqui a 15 ou 20 anos isso poderá ser alterado. Acredito que o ideal para primeira habilitação no Brasil, hoje, seja aos 16 anos de idade (há Projeto de Lei nesse sentido); todavia, dado a mudança legislativa necessária para efeitos de responsabilidade civil e penal, aumenta a discussão que já se arrasta por mais de uma década no Congresso Nacional e que não sai do lugar…

1811cc dócil e fácil de pilotar ao contrário de uma 1000cc esportiva

MEDIDAS IMEDIATAS - A questão é alterar o artigo 143 do CTB, criando uma nova divisão na categoria “A” e “B” para:

A1” – permitir a partir dos 18 anos condução de ciclomotor, motoneta (scooter) e motocicleta até 300cm³, com potência máxima de 45 cv sem passageiro ou garupa;

Justifico: o cabra mal se equilibra, quanto menos com garupa. Assim é o modelo italiano.

A” – permitir aos 21 anos, com mínimo de 3 anos de habilitação, com prontuario ilibado, ou seja, sem pontuação por graves infrações de trânsito e acidentes, a condução de motocicleta sem limite de cilindrada e de potência;

A – esportiva ou A-Esp” – permitir a partir dos 26 anos de idade, com mínimo de 6 anos de habilitação, sem pontuação por graves infrações de trânsito e acidentes, com curso de pilotagem esportivo em escola credenciada pela federação local e exame prático na Polícia Militar, a condução de motocicleta de característica esportiva sem limite de cilindrada e potência;

Mobilidade, econômica, menos poluente que automóvel e fácil de pilotar. 

B” – manter o texto atual, todavia, acrescentando a permissão da categoria “A1”, só para motoneta (scooter) e a partir dos 21 anos de idade poderá levar passageiro ou garupa.

Justifico: As mudanças para categoria “A” aumentariam a seletividade para concessão da habilitação, exigindo um longo estágio para o condutor melhorar sua aptidão e familiaridade com motocicletas de maior performance. O sonho de todos seria a criação da categoria “A2” com idade a partir dos 14 ou 16 anos, permitindo a condução de ciclomotor e motoneta ou motocicleta até 125 cm³, com potência máxima de 15 kw ou 20,39 cv, sem passageiro ou garupa. No entanto, como já dito, nosso país não está preparado para essa mudança, tanto no aspecto legal quanto cultural.

BREVÊ SPORT - A criação da categoria “A-esportiva”, é pelas peculiaridades e características desse segmento: as motos aceleram muito e freiam brutalmente, e a proporção peso/potência em algumas máquinas chega a 1/1, demandando uma capacitação diferenciada. Se para a categoria “A-1” é possível o condutor ser promovido automaticamente para “A”, desde que cumprido os requisitos de idade e prontuário ilibado, necessário se faz um rigoroso teste psicológico e motor para aferir habilidade e maturidade do condutor que pretende pilotar uma esportiva em via pública. Note: não há qualquer impedimento de o cidadão comprar uma esportiva e andar em um circuito como Interlagos, por exemplo; todavia, só não poderá fazê-lo em via pública, caso não conquiste a concessão estatal.

Mas é na categoria “B” que está o “x” da questão, onde pessoas habilitadas para dirigir carros possam conduzir também scooters – por serem os veículos de duas rodas mais fáceis de conduzir por conta do câmbio automático tipo CVT (Continuously Variable Transmission). Essa possibilidade proporciona o conhecimento do veículo de duas rodas e geraria maior respeito na via pública entre carros e motos. O motorista precisa da oportunidade de ser piloto ao menos na escola. Essa experiência pode ser essencial para a melhor convivência no trânsito entre os veículos de duas rodas e quatro rodas, já que poderá notar que enquanto a estabilidade de um carro é estática, do veículo de duas rodas é dinâmica, ou seja, se parado, cai para um dos lados.

1000cc, 200cv de potência e menos de 200kg. Necessário habilitação especial

Como educador, acredito que a compreensão mútua entre condutores de diferentes tipos de veículos promoveria um trânsito mais humano. Se isso acontecesse de fato, haveria maior respeito e cumprimento ao § 2º, do inciso XII, do artigo 29, do CTB: “Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Fundamento essa opinião em dois dados estatísticos de Espanha e Estados Unidos: na Espanha - entre 2009/2010 - apontou que a cada 10 acidentes entre carros e motocicletas, 7 foram culpa do motorista do carro. A Motorcycle Safety Foundation afirma que em mais de 50% dos acidentes entre carros e motos, a culpa, também é do motorista.

Infelizmente aqui no Brasil - que nem sequer há estatísticas qualitativas - a culpa é do motociclista, até mesmo quando isso acontece por conta de um buraco ou faixa deslizante que o derrubou. Vale lembrar, ainda, que permitir aos condutores de categoria “B” utilizar um veículo menos poluente e de maior mobilidade, óbvio que estar-se-á colaborando com as questões ambientais e de mobilidade urbana (menos congestionamento), mas esse tema será tratado em outra oportunidade. Vale dizer que é de suma importância que durante o processo para obtenção da permissão para dirigir, o indivíduo seja conduzido a estudar e aprender sobre legislação, as definições e classificações das normas e sinalizações de trânsito, definições e classificações de rodovias, estradas, vias urbanas e rurais, definições e classificações dos veículos, noção básica de mecânica e pneus, normas de comportamento, equipamentos de segurança, segurança ativa e passiva, direção defensiva, noções de primeiros socorros – o que fazer e não fazer. O que me parece mais óbvio: o candidato à concessão da Carteira Nacional de Habilitação – na categoria “A” – deve ser obrigado a utilizar as vestimentas adequadas, desde a primeira aula, especialmente luvas, cuja desculpa é perda de sensibilidade, aliás, o inciso III, do artigo 54 do CTB até hoje não foi regulamentado pelo CONTRAN, mas nosso código só tem 20 anos, creio que não houve tempo e interesse.

Incongruências do Projeto de Lei 3245/15

Portanto, agora fica fácil apontar, com todo respeito, a fragilidade do Projeto de Lei, senão vejamos:

“Art.143....................................................... I – Categoria A – condutor de veículo motorizado de duas ou três rodas, com ou sem carro lateral, abrangendo as seguintes Subcategorias:

a) Subcategoria A1: Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC) - Comentários: Nosso CTB (Código de Trânsito Brasileiro) define CICLOMOTOR como “veículo de duas rodas ou três rodas, provido de um motor de combustão interna, cuja cilindrada não exceda a cinquenta centímetros cúbicos (3,05 polegadas cúbicas) e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a cinquenta quilômetros por hora. Com a devida venia ao Deputado, não faz qualquer sentido tal subdivisão, já que o cidadão obrigado por um ano, não poderia acessar sequer, via de trânsito cuja velocidade seja igual ou superior a 50km/h, na cidade de São Paulo, à título de exemplo, seria o caos;

b) Subcategoria A2: para veículos com motor até 300cc (trezentos centímetros cúbicos de cilindrada) - Comentários: Necessário não limitar apenas em cilindrada, que é volume de deslocamento do motor ou ainda volume varrido do motor é definido como o volume varrido pelo deslocamento de uma peça móvel numa câmara hermeticamente fechada durante um movimento unitário. Mas também em potência que em física é a grandeza que determina a quantidade de energia concedida por uma fonte a cada unidade de tempo. Em outros termos, potência é a rapidez com a qual uma certa quantidade de energia é transformada ou é a rapidez com que o trabalho é realizado. Potência também pode ser entendida como sendo a força multiplicada pela velocidade. Portanto, é inócuo a limitação só por cilindrada, deve ser seguido o modelo italiano;

b) Subcategoria A3: para veículos com motor até 700cc (quatrocentos centímetros cúbicos de cilindrada). ................................................................................................................... Comentário: por que 700 cc?? Qual o embasamento técnico? vale o mesmo argumento para até 300cc. E como ficam as motos acima desta cilindrada?

No Projeto de Lei original a categoria “A3” se torna sem limite de cilindrada e no Substitutivo não ficou claro qual será a subdivisão sem limite de cilindrada, deixando para o CONTRAN a responsabilidade que é do Congresso Nacional.

Outro grave equívoco: aula só em circuito fechado??? Qual é a realidade?? Necessário aula em circuito fechado até o manuseio seguro do veículo e depois é fundamental aula na via pública.

A previsão de novo processo de habilitação em cada mudança de categoria é um absurdo, além de burocrático e defendo veementemente o modelo italiano que prevê a graduação mediante um prontuário ilibado depois de certo tempo. Se hoje o modelo de habilitação está falido, tal sugestão fede, todavia, o cidadão teria que arcar com isso e só um lado sai ganhando, se permanecer o modelo atual de habilitação.

Devemos aprender com os mais antigos

O modelo italiano é mais lógico, menos burocrático e menos oneroso para o cidadão. Começando pelo fato de que quantos instrutores de CFC com capacidade técnica de ministrar aula com moto de média e alta cilindrada tem hoje no Brasil??? Conheço instrutor de CFC´s que mal andam em moto de 150cc.  

Necessário mencionar que é mais inteligente manter a categoria “A” sem limite de cilindrada ou potência, porque assim aos já habilitados não será necessário futura mudança, sendo óbvio que trata-se da categoria principal a ser alcançada depois de estágio nas subdivisões “A1 e “A2”.Não faz sentido algum, criar uma subdivisão que não terá limites. É uma questão de simplificar e não complicar.   

Na legenda da foto com Deputado Patriota, na matéria da Assessoria da Câmara, diz: “a proposta impede candidatos à habilitação de testar uma motocicleta de potência inferior à que usará no dia a dia. Depois, permite dosar o teste de habilitação ao veículo que será usado pelo condutor”.

Com todo respeito Deputado Patriota, só se o Senhor viver no Mundo de Nárnia. Estamos no planeta Terra, país: Brasil.

Por fim, longe de ser dono da verdade, minha experiência e consciência mostra o caminho acima exposto, mas como disse no início: tal mudança como medida isolada é pura demagogia.

Fotos: Arquivo pessoal

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