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A reforma da previdência social brasileira

9 de Janeiro de 2017

 A reforma da previdência social brasileira e a necessidade de observância da segurança jurídica e da previsibilidade

 Há mais de seiscentos anos René Descartes já dizia cogito ergo sum. Inspirado no racionalismo por ele inaugurado, nesses momentos de tanta turbulência pelo qual passa o Brasil, em que tantos argumentos, uns corretos outros puro engodo, são produzidos para justificar a reforma da Previdência Social, examinei o recente projeto de Emenda Constitucional apresentado pelo governo federal, já em tramitação no Congresso Nacional.

 Antes de tratar de alguns pontos do projeto, a premissa sobre a qual se baseia todo o discurso e a própria política governamental de necessidade de reforma não é tão clara, apesar dos alentados discursos, propagandas e reportagens jornalísticas divulgadas.

  Não é de hoje que se escuta falar no desvio dos recursos da Previdência Social para emprego em finalidades que nada têm a ver com a mesma. Apesar de o constituinte de 1988 ter criado, a partir do art. 194, um regime de Seguridade Social (Previdência, Assistência e Saúde), estabelecendo as hipóteses para a cobrança de contribuições dos entes produtivos para fazer frente a essas necessidades, verdade é que nunca os recursos arrecadados foram apenas utilizados na Seguridade Social. Com a desvinculação dos recursos, primeiro chancelada pelo Supremo Tribunal Federal e, depois, por Emenda Constitucional, verdade é que esse sistema de Seguridade Social é uma pura ficção, não existindo um orçamento específico para fazer frente a essas despesas.

 E pior: quando se fala em déficit orçamentário da Previdência Social, em que são apresentados gráficos, estatísticas etc., esquece-se de que como despesas da Previdência são incluídas despesas relativas à Saúde e Assistência social, situações essas que estão fora da Previdência, eis que incluídas na Seguridade Social apenas. Recentemente assisti a uma palestra sobre o tema, em que um expoente economista referia-se em seus dados estatísticos a despesas de “saneamento básico” como despesas da Previdência Social. Como acreditar em tais dados? Como aceitar a ideia de reforma, quando não há exatidão nem clareza nos dados apresentados?

 Em recente tese de doutorado a professora Denise Gentil demonstrou a falácia desses dados[1].

 Se não existe segurança quanto às estatísticas, outro ponto que torna bastante discutível a necessidade de uma reforma da Previdência como a proposta pelo governo federal é o fato de que se vive hoje no país uma grave recessão, talvez a pior de sua história, em que os grupos políticos e econômicos mais protegidos na sociedade querem simplesmente transferir os gastos, literalmente passar “a conta” para os setores mais fracos da sociedade. Trata-se, na verdade, de uma guerra política e a reforma da Previdência Social é uma das batalhas, em que a elite econômica não deseja nada perder para ajudar na recuperação do país.

  Importante frisar que o país escolheu, a partir de 1988, um sistema solidário de Previdência Social, e assim tem sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Poderia ter sido escolhido um sistema de capitalização, até entendo que seria uma melhor escolha. No entanto, não foi esse o escolhido. Portanto, todos têm que colaborar para o sistema de Seguridade Social como um tudo, incluindo Previdência, Assistência Social e Saúde.

  Ocorre que são inúmeras as formas de fraude, e não pretendo neste breve estudo citar trabalhos e outros documentos, não sendo difícil verificar que boa parte dos benefícios pagos hoje no Brasil são fraudados, sendo que a Previdência e os brasileiros são vítimas do crime do art. 171, § 3º, do Código Penal (Estelionato).

  Interessante que, apesar disso, pouco vejo na fala oficial, nem tampouco nos discursos e entrevistas dos arautos da reforma a defesa de um combate eficaz a essas fraudes que corroem a saúde financeira de nossa Previdência Social, além de lotar diariamente os escaninhos da Polícia, Ministério Público e Justiça Federal.

  Além disso, a sonegação fiscal é muito elevada no país, além das inúmeras formas de renúncia, remissões, perdões, parcelamentos e refinanciamentos. E o que dizer dos chamados “planejamentos tributários”, cuja diferença com a fraude fiscal é bastante tênue, resultando em que muitas vezes pessoas físicas de alto poder econômico e passíveis de serem cobradas com valores elevados para a Seguridade Social escapam, pagando alíquotas muito pequenas se comparadas com as pessoas físicas em geral, muitas das quais tributadas em 27,5% quanto ao Imposto de Renda.

 E o que dizer das chamadas sociedades filantrópicas, as quais muitas vezes não pagam nenhum imposto ou contribuição social e não devolvem nada ou muito pouco à sociedade. Recentemente fiz um curso em São Paulo e não me surpreendi ao ler um informativo de balanço fiscal da escola, afixado em local público, que indicava pagamento zero a título de contribuição social. Refiro-me ao fato porque esta instituição de ensino cobra mensalidades nada módicas para os cursos que oferece.

 Recente levantamento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional revela que apenas 13 mil pessoas e empresas devem mais de R$ 900 bilhões em impostos[2].

  Esses elementos demonstram a parcialidade da discussão e como talvez ela esteja direcionada para beneficiar um determinado grupo econômico, conforme disse acima.

  Mas, para argumentar, vamos admitir que os dados do governo estejam corretos e que possamos confiar plenamente nas estatísticas por ele apresentadas. Mesmo assim seria possível admitir a reforma como proposta pelo governo?

 Entendo que não. Indicarei os argumentos a seguir e, ao final, apresentarei algumas das propostas específicas apresentadas pelo governo, analisando a pertinência.

  Nesse ponto, não posso deixar de dizer de minha profunda estranheza quando ouço a propaganda oficial paga com dinheiro  que poderia servir também para economizar e ajudar na sustentação da Seguridade Social, dizer que a reforma tem como objetivo “salvar” a Previdência Social e fazer com que, no futuro,  todos tenham direito a ela porque, como está, fatalmente, não haverá dinheiro para pagar a todos.

  Ora, trata-se do velho e desusado argumento ad terrorem. Muito triste isso porque se um dia não houver dinheiro para o Estado brasileiro pagar o básico, como a Seguridade Social, por exemplo, não estou a falar de navios, aviões de guerra, nem tampouco em estádios de futebol, melhor desistir de tudo e abandonar o país.

  Assim, a primeira regra que nossos governantes deveriam ter em mente, quanto à reforma da Previdência, seria aplicá-la àqueles trabalhadores que ainda não contribuem para o sistema, respeitando-se os contratos e situações jurídicas entabuladas até o momento. A economia viria em longo prazo. É interessante que os próprios proponentes da reforma dizem que, no futuro, a base de contribuintes será menor e os beneficiários em número cada vez maior, em razão do aumento gradativo da expectativa de vida da população. Ora, eles mesmos reconhecem, portanto, não ser o problema emergencial e que pode ser resolvido em longo prazo. Emergencial é a crise econômica, não o déficit da Previdência.

 Carlos Roberto Siqueira Castro ensina que, ao lado do devido processo legal existe o “devido processo legal substancial”, surgido no direito estadunidense e que exige por parte do Estado o respeito à segurança jurídica e à previsibilidade das relações econômico-sociais. Não pode o Estado surpreender astuciosamente o cidadão como o faz um roubador, por exemplo. Aquele deve agir de modo previsível, respeitando o direito adquirido e também não criando situações-surpresa capazes de levar o cidadão a erro ou prejuízos econômicos importantes.

 Ora, se vê que referido princípio surgiu justamente no país mais capitalista do mundo, sendo que os mesmos paladinos da necessidade da reforma para atrair investimentos estrangeiros deveriam perceber o óbvio, isto é, que esses investidores sabem muito bem que aqui não se estará respeitando a segurança jurídica e a previsibilidade com uma reforma da Previdência tal como proposta.

 Renato Barth Pires lembra que o princípio da segurança  é muito caro ao constituinte, eis que previsto em diversos trechos da Constituição[3]. No caput do art. 5º, bem como no art. 6º, como um dos direitos sociais, como também no princípio da anterioridade em matéria tributária (art. 150, III, “b” e “c”), irretroatividade da lei tributária (art. 150, III, “a”), da irretroatividade da lei penal incriminadora (art. 5º, XXXIX e XL) e do princípio da anterioridade da lei eleitoral (art. 16 da CF e ADin 3.685/DF, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 10/08/2006)[4].

  Assim, o sistema jurídico não assegura apenas a segurança pessoal, mas também a segurança jurídica, que  tem por finalidade resguardar os indivíduos contra a instabilidade das relações jurídicas[5].

 Não é razoável, portanto, que aquele cidadão que já está no sistema, contribuindo para ele, ou pior, que já está submetido a uma ou a duas regras de transição, como ocorreu em 1998 e em 2003, com as últimas reformas previdenciárias implementadas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva, respectivamente, seja atingido por uma nova regra de transição ou, nem isso, submetido a uma nova reforma, que não garanta nenhuma regra de transição a ele, simplesmente por que ainda não atingiu 50 (cinqüenta) anos de idade, critério etário injusto para criar fundamentar a regra de transição proposta pelo projeto de emenda atual.

  Portanto, seria possível uma nova regra de transição a quem já está submetido à outra? Seria possível retirar alguém que já está submetido a uma regra de transição e simplesmente jogá-lo literalmente no novo sistema sem nenhuma regra de transição? Evidentemente que não, muito embora seja essa a ideia do governo federal.

  Passo agora à análise de alguns pontos da reforma apresentada.

 A reforma tem alguns pontos centrais: primeiro a implantação de uma idade mínima de 65 anos para obtenção da aposentadoria, segundo, a exigência de, no mínimo 49 anos de contribuição, para a obtenção do valor integral do benefício, terceiro, a equiparação de todos os regimes, quarto, regras de transição fundamentadas basicamente no critério etário (50 anos, se homem, e 45 anos, se mulher).                                        

1.A exigência de idade mínima de 65 anos, 49 anos de contribuição e outras exigências:

  A nova redação que se propõe ao art. 201, da CF, § 7º, prevê que “é assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social àqueles que tiveram completado sessenta e cinco anos de idade e vinte e cinco anos de contribuição, para ambos os sexos”.

                             O § 7º-A prevê que todos os salários de contribuição deverão ser computados para a obtenção do cálculo e o § 7º-B prevê o valor da aposentadoria correspondente a 51% (cinquenta e um por cento) da média dos salários de contribuição e das remunerações utilizadas como base para as contribuições do segurado acrescidos de 1 (um) ponto percentual para cada ano de contribuição  considerado na concessão da aposetadoria, até o limite de 100% (cem por cento), respeitado o limite máximo do salário de contribuição do regime geral de previdência social.

  Referidas regras implicam dizer que, além de estender o início da aposentadoria para 65 anos, ampliou-se a base de cálculo para a obtenção do salário de benefício e correspondente benefício para todo o período contributivo, resultando em uma média de todo ele e, por fim, a concessão de apenas 51% por cento, se obtida a idade, acrescido de 1% por cada ano de contribuição, o que permitirá atingir os 100% apenas com 49 anos de contribuição.

  Além disso, como o cálculo do benefício fundamentar-se-á na média de todo o período contributivo, em que houve altos e baixos, inclusive período sem contribuição, jamais o trabalhador obterá o valor máximo de benefício.

  Em suma, não é à toa que começam a circular pelo país, através das redes sociais, charges em que se ridiculariza o fato de que as pessoas deverão trabalhar desde tenra idade para a obtenção da aposentadoria.

2. Aumento da idade mínima independentemente de nova Emenda constitucional:

 Outra situação, esta, a meu ver inconstitucional, é aquela prevista § 15 do art. 201, que menciona a alteração da idade mínima se houver aumento da expectativa de vida da população : “Sempre que verificado o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacional única correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira aos sessenta e cinco anos, para ambos os sexos, em comparação à média apurada no ano de promulgação desta Emenda, nos termos da lei, a idade previsto no § 7º será majorada em números inteiros”.

  Ora, nossa Constituição Federal é uma carta rígida, isto é, que só pode ser modificada senão por quórum qualificado e sujeita a uma série de restrições previstas no próprio texto constitucional, inclusive quanto às chamadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4º). Então como conciliar esse fato com essa proposta de que assim que houver o aumento da expectativa de vida da população brasileira, não se sabendo nem por qual órgão, haverá o aumento automático da idade mínima do brasileiro.

  Assim, além de todos os obstáculos acima indicados (idade mínima, tempo de contribuição, cálculo etc) terá ainda o brasileiro de se sujeitar ao risco de, quando da implementação da esperada idade mínima, surgir um novo cálculo da expectativa geral de vida do brasileiro, tendo que trabalhar ainda mais.

  A mim me parece evidentemente inconstitucional referida previsão, primeiro, porque não pode a CF ficar sujeita a uma modificação elástica, segundo, porque o cálculo da idade mínima a ser aplicada será feito por órgãos estranhos ao Poder Constituinte derivado, não havendo controle na forma do cálculo para que possa ser aceito automaticamente como norma constitucional e, terceiro, quem garante a isenção de lisura quanto ao cálculo desses índices?                                                                      

3. A inconstitucional subtração dos servidores que já se encontram submetidos a uma regra de transição, implementada pela Emenda de 2003, de qualquer outra regra de transição, simplesmente porque não possuem o mínimo de 50 (cinquenta) anos para a obtenção da nova regra de transição criada:

  A proposta de Emenda traz em seu art. 2º uma nova regra de transição ao servidor público, que só se aplica àquele que tiver ingressado  no serviço público em cargo efetivo até a data da promulgação da Emenda e que tenha idade igual ou superior a 50 anos, se homem, e a 45 anos, se mulher, nesta mesma data, desde que cumule as seguintes condições: 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher; 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher; 25 anos de efetivo exercício no serviço público; 5 anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria e período adicional de contribuição equivalente a 50% do tempo que, na data de promulgação desta Emenda, faltaria para atingir os limites previstos no inciso II deste artigo.

  Referido dispositivo é flagrantemente inconstitucional, uma vez que não observa que os servidores que ingressaram até 16 de dezembro de 1998 já estão sujeitos a outra regra de transição prevista na Emenda nº 41/2003, não podendo agora, sob pena de violação à segurança jurídica e ao devido processo legal substancial, conforme dito acima, ficarem sujeitos a uma nova regra de transição. É certo que referidos servidores não possuem direito adquirido pois ainda não concluíram o critério etário para obtenção do benefício de aposentadoria, no entanto, ao serem incluídos em uma regra de transição durante o período aquisitivo não pode o Estado simplesmente desrespeitar essa regra de transição que o próprio Estado criou e, pior, como acontece aqui, não submeter os menores de 50 anos de idade a nenhuma regra de transição.

  A regra de transição de que trata o mencionado art. 2º é ainda inconstitucional por criar um critério não razoável, eis que absolutamente discricionário, desigual, desproporcional e injusto quando se utiliza do discrímen dos 50 anos idade, se homem, ou 45 anos, se mulher. O único critério razoável seria respeitar a regra de transição já estabelecida para aqueles submetidos à Emenda de 2003, isto é, ingressantes antes a 16 de dezembro de 1998 e estabelecer uma regra de transição para os demais, mas que não se sustentasse em critério absolutamente discricionário, sem amparo na situação individualizada de cada servidor. O único critério razoável seria aquele que levasse em conta o tempo de contribuição, não a idade pura e simplesmente.

4. A falácia de que os parlamentares foram incluídos na reforma;

  Tem sido divulgado que os parlamentares também teriam sido incluídos na reforma, todavia, não é o que se verifica da simples leitura do art. 6º da proposta de Emenda: “Art. 6º. As alterações  estabelecidas no art. 40, § 13, da Constituição, aplicam-se de imediato aos titulares de novos mandatos eletivos que forem diplomados após a promulgação desta Emenda, cabendo a leis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios dispor sobre as regras de transição para os diplomados anteriormente à data de promulgação desta Emenda”.

 Primeiro, entendo por coerência ao que disse acima, que os parlamentares diplomados após a promulgação desta Emenda não poderiam ser incluídos na reforma, respeitando-se a eventual existência de regra de transição já em vigor. Todavia, a redação oferecida cria, além da inconstitucionalidade já analisada, um discrímen absolutamente injusto, que é o fato de que os parlamentares diplomados antes da promulgação da Emenda possuem o direito, não reconhecido aos demais servidores, de terem o privilégio de verem definida sua regra de transição por uma lei ordinária e posterior.

5. A indevida não inclusão dos militares e demais policiais na reforma:

 Entendo que determinadas carreiras não deveriam estar submetidas a essa reforma, como os militares e os magistrados, por exemplo, estes submetidos a regime jurídico próprio, estabelecido pela Lei Complementar nº 35/79 (Estatuto da Magistratura), lei de iniciativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Importante frisar que existe uma ADI 3308, no STF, que discute a questão. Todavia, já que a reforma trata amplamente de todas as categorias não vejo muito sentido, acompanhando a própria dicção do texto proposto, de retirar os militares e dar tratamento preferencial a parlamentares.

6.A imposição de um limite único a todos os regimes:

 O § 2º. do art. 40 estabelece que “os proventos de aposentadoria não poderão ser inferiores ao limite mínimo ou superiores ao limite máximo estabelecidos para o regime geral de previdência social”.

  Segundo a regra de transição do art. 2º, aos ingressantes até de 31 de dezembro de 2003, desde que submetidos às demais condições do caput do art. 2º, será garantida a integralidade da remuneração do servidor de cargo efetivo, e àqueles que ingressaram a partir de 1º de janeiro de 2004, a média aritmética simples das remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor dos regimes de previdência aos quais esteve vinculado (§ 3º, II).

 Segundo o art. 3º, para os servidores que têm idade inferior a 50 anos,  na data da promulgação da Emenda, e que tenham ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de promulgação desta Emenda, terá os proventos calculados segundo a regra geral dos § 3º e § 3º-A da CF, ou seja, 51%, seguindo 1% por cada ano a mais de contribuição até o limite máximo, sendo que este limite máximo (§ 2º do art. 40) “somente será imposto para aqueles servidores que ingressaram no serviço público  posteriormente à instituição do correspondente regime de previdência complementar ou que ingressaram anteriormente e exerceram a opção de que trata o § 16 do art. 40 da Constituição” (parágrafo único do art. 3º).

 A opção foi, portanto, pela equiparação de todos os sistemas de previdência, exceção ao dos parlamentares e dos militares, submetendo-se-os ao teto.

 As únicas ressalvas que faço referem-se à insegurança jurídica causada pela não observância de quem já está no sistema, contribuinte, e de regras de transição já existentes.

7.  A inclusão na competência da justiça federal de causas relacionadas a acidentes do trabalho:

  A nova redação oferecida ao art. 109, I, da CF, indicada no art. 1º da Emenda: “Art. 109 (...)I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”,  passa automaticamente à justiça federal competências pelas causas relativas a acidentes do trabalho, antes de competência da justiça estadual, em um momento de redução drástica de gastos resultante da aplicação da PEC do teto de gastos.   

 Certamente o orçamento da justiça federal não poderá atender a novas despesas sem a respectiva nova fonte de receitas. Portanto, parece-me precipitado referida alteração constitucional.

Conclusões:

 Os pontos acima indicados se referem aos trechos que entendi mais importantes, seja pelo impacto direto na vida da população, seja pela inconstitucionalidade verificada em alguns deles.

  Não tive o propósito de esgotar todos os dispositivos do projeto de Emenda, pois isso fugiria os objetivos do presente estudo.

 A partir da contextualização histórica, política e sociológica do tema “Previdência Social”, penso que a necessidade desta reforma é indiscutivelmente, bem ou mal, uma opção política do governo.

 Ocorre que, a depender da maneira e dos limites em que proposta, referida reforma poderá trazer graves disparidades e injustiças aos trabalhadores em geral, conforme já se vem discutindo, por exemplo, privilegiando quem começou a trabalhar em idade mais avançada e desprestigiando quem começou a trabalhar muito cedo, e reconhecido inclusive pelo insuspeitável jornalista Merval Pereira no programa “Globonews”, empresa de indiscutível afinidade com as ideias de reforma, inviabilizando, ainda, em algumas circunstâncias a própria fruição de qualquer benefício previdenciário, como no caso dos trabalhadores informais ou com vínculos esporádicos no mercado de trabalho.

 Por fim, penso que nenhuma reforma pode ser realizada sem observar as regras de transição já estabelecidas por reformas passadas, como a estabelecida pela EC nº41/2003.

 Não haveria o menor sentido em se eternizar as regras de transição, a não ser que não se empreste o menor valor à segurança jurídica e à previsibilidade aos contratos e situações jurídicas estabilizadas ao longo do tempo. 

*Silvio César Arouck Gemaque (Juiz Federal Criminal em São Paulo, Doutor e Mestre em direito processual penal pela USP).

 

[1] A farsa do déficit da Previdência Social, www.gazetadopovo.com.br/.../odeficit-da-previdencia-e-uma-farsa-veja-, visitado em 08/12/2018.

[3] PIRES, Renato Barth. Princípios constitucionais gerais e seguridade social: aplicações práticas in Revista do TRF 3ª.Região, edição 126, pág. 71/97.

[4] PIRES, Renato Barth., op.cit., pág.89.

[5] Ibidem.

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